29 de agosto de 2010

Mente

Eu não sei como funciona minha mente. Não sei como ela sabe mudar minhas opiniões de pedra. Não sei porque ela esconde o que realmente importa e vive de apontar dedos e criar opiniões para as coisas em volta. Não sei por que ela diz odiar o que ama e desdenhar o que mais quer pra si. Eu não sei por que aqueles post-its cerebrais nos quais deixo escrito "Não esquecer!" são sempre os primeiros a desaparecer e eu acabo esquecendo do que tinha que lembrar e, pior, acabo esquecendo que tinha que lembrar de algo. Eu não sei por que só tenho flashes da infância quando queria ter muito mais. Eu não sei de onde vêm certos cheiros que me lembram certas coisas. Às vezes eu penso que minha mente está em algum nível e por eu saber disso, sou superior a ela. E por eu saber disso sou superior a mim mesma, sabe? Eu tenho a visão do mundo externo, eu gosto de ter. E eu tento ter a visão das pessoas, mas não consigo. Eu sorrio e finjo que sei tudo o que você pensa.
Eu imagino diálogos com as pessoas, eu ensaio e ensaio e quando chego pra reproduzí-lo as palavras do meu interlocutor nunca são as mesmas do ser platônico da minha mente que eu criei pra ele. Confuso. É, está aí algo que minha mente é! Confusa! Eu não sei que nada sei. Sei que tudo sei. E sei errado. E quando eu aprendo algo, fico pensando que eu não sabia nem sequer da existência daquilo antes. Estou aprendendo que nada sei.
Ah, tem também essas paixões. Essas que vão e vem e sempre voltam as mesmas. Me apaixono por um olhar, um cheiro, uma atitude, um pensamento. Normalmente, me apaixono pela pessoa que tem vária dessas coisas apaixonantes. Me apaixono em pedacinhos. E amor, não tenho certeza do que é. Eu interpreto assim: amo uma pessoa que gosto de estar perto e em cujo funeral eu choraria. Frio isso. Não sei se é bem assim. Difícil, difícil...
Ah, quanto a desdenhar, acho que sei porque faço. É medo de amar. Medo de precisar. Acho que minha mente acha que quando eu digo que odeio acabo odiando um pouquinho mais... e, assim, aos pouquinhos, quem sabe não me livro de amar? É medo.
E eu sou medrosa mesmo... tenho medo de não saber pra onde ir, medo de precisar e não ter, medo de amar, de querer, tenho medo de não ser, medo de ser demais. Acho que é o medo que me mede e se não fosse ele, acho que eu seria uma louca extremista que faz tudo quanto passa pela mente.
Eu escrevo, eu tento, eu vivo, eu amo, eu faço, eu toco violão, desenho e ouço música, eu tomo banho, eu tenho medo, eu penso, eu sou, eu tenho, eu quero, eu sei, eu respiro, eu nado até o fundo e volto sem ar, eu corro o risco, eu compro o disco em oferta e é isso que me compõe. Sei lá.



A minha meia colorida
A minha foto já vivida
Tá na estante
A minha bandana amarrada
A minha desculpa esfarrapada
É tão falante
[...]
Mas é que eu corro o tal do risco
Eu como, eu compro disco
em oferta (Mallu Magalhães)

28 de agosto de 2010

Trecho de "Milhões"

[...]

É, poeta, então você quer escrever, não é?
Então, você vai brincar de subjetividade
E vai falar mil, mil mentiras bonitas
Que valem mais que um milhão de verdades

Sem lirismo

Sem máscara, sem palavra nem nada, sem dizer, dizendo, guardando, sentindo. Sentindo, sentindo, sentindo, sentindo... Sentido. É, procuro um desses! No dia-a-dia! A consulta do dentista e só. Só. Sou rasa, sem nada. Eu ouço, eu falo. Eu rio, eu brinco. Eu estudo matemática. E eu gosto. Eu sou gente, também. De carne e osso. Eu sou a Mari. Mari-ana Varandas Lazzari, 14 anos paulista paulistana orgulhosa. Eu não leio quando não tenho tempo e eu não sei o que é saudade. Sem lirismo, não sei. Eu moro em Santo Amaro. Eu ando na rua e me perguntam as horas. Juro! E quando perguntam indicação de rua? Nunca sei... vou andar com uma placa avisando que não me perguntem caminho. Eu gaguejo e não sei explicar.
Eu odeio o meu nariz e eu fiz mechas novas no cabelo. Eu me visto bem pra encontrar um moço e ele nem nota. Me chamam de nerd, de estranha, de engraçada, de inteligente... e eu não sou nada disso! Eu sou eu. Mari. Mari-ana. Eu odeio encarar meu nome assim, inteiro. É tão... inteiro. Tão sério! Tão pomposo! Eu sou a Mari, só Mari. Pros íntimos e pra todo mundo. Eu vou até o outro lado da cidade todo dia e eu fico vendo os indies do centro cultural e o mendigo que fala sozinho. Eu desperdiço tempo na internet. Eu assisto "House" e queria saber ser como ele, mesmo com todos os defeitos. Eu odeio votos de aniversário. Eu amo o muffin do centro cultural e eu adoro ouvir as constatações do meu pai sobre o mundo. Até quando ele viaja, eu gosto. E mesmo quando eu brigo com ele, porque o mundo é diferente do que ele é diz. Eu sei lá. O que eu, Mari, poderia saber? Eu não sei nem dar ao final, ponto. Não sei... a vida é reticente. E lá vem o lirismo de novo! Não me deixa! Mas, sei lá, vai ver a vida é meio lírica mesmo... até a consulta do dentista, quem sabe.

24 de agosto de 2010

2+2=5

"Dois e dois são cinco, passarinho."
Mas o passarinho continuava a repetir que eram quatro. E imagine que todas as pessoas no mundo repetiam "dois e dois são cinco." "é, são cinco, passarinho" e a insistência tornava-se tormento. Ele sabia que eram quatro. "Conte, conte bem, dois e dois são quatro!" Ele provava com os dedos e mil contas e relutava, mas ninguém abandonava a ideia de que isso dava, realmente, cinco. E maltratavam o pobre bichinho alado fisica e moralmente. "Que ideia insana! Se eles dizem que é cinco, então o é."
O passarinho, coitado, queria voar pra longe, pra um lugar onde ele pudesse dizer que a conta dava quinhentos e quarenta e quatro, se quisesse. Queria voar pra um lugar onde cada um defendesse a sua própria ideia, não a de um ente maior, e argumentasse a favor dela com o que pudesse. E, imagine que maravilha!, nesse lugar a razão era de quem conseguisse provar qual o verdadeiro resultado. A razão! As pessoas, e os passarinhos sonhadores, tinham razão nesse lugar! Razão de verdade! Às vezes se estava certo e às vezes errado, mas cada qual com sua ideia.
"Pense nesse lugar, passarinho... pense porque ele não existe mais. Nunca existiu."
O passarinho se debatia. Era mentira! Era mentira? "Nunca houve lugar algum, nunca houve mulher ou felicidade alguma. Nunca houve nada disso!" Não houve? "Você ama esse lugar, passarinho? Você não ama! Repita! Você não ama! Você ME ama! Você não arriscaria sua vida por esse lugar, não é passarinho?" Eles o fizeram acreditar.
"E dois mais dois quanto é, pássaro? Quanto é?"
"Cinco, se você diz assim."

16 de agosto de 2010

One day, one room

Segunda-feira, dezesseis de agosto de dois mil e dez, às catorze horas, catorze minutos e 8 segundos. O lápis está no papel.
Está frio em São Paulo e isso, de alguma forma, me esquenta; vê-la, assim, em tons marrons e peles claras e narizes vermelhos e golas enfiadas até as orelhas. Mas o sol brilha e, debaixo dele, eu até me livraria de alguns casacos. Não agora. Estou na sombra, no banco da esquerda, mera espectadora.
E passam carros, passam multidões e vidas. Passa o frio. Sentam-se pessoas ao meio. Ao passo que passam, mais pessoas. Em rodas diferentes, conversas diferentes. Umas sorriem, umas riem, umas se concentram. E vão ficando mais quentes.
Seus óculos e seus cachecois. Desuniformemente, seus tênis e suas rugas. Vai esquentando a vida. O moço joga xadrez ao lado, o outro estuda direito.
Passa o homem da bicicleta, passa pensando. Ele gosta de: escrever seu nome em vidros embaçados. Ele não gosta de: gente espirrando. Ele passa e pisca pra mocinha. Aquela ali de saia azul. Ela gosta de: lápis Bic. Ela não gosta de: usar meias. Mas ela usa. Está frio, afinal. E sua mãe costumava dizer pra não andar com o pé desagasalhado. Pobre mãezinha essa, morreu de forma tão dolorida, mal sabia que o pé estar quentinho era só capricho... mas esquecêi-la: ela não existe.
Continuo espectadora. A roda de pessoas levanta e fica só a roda de malas. Elas não existem mais. Existem só malas no chão sem dono. É como aquele meu tio que não existe. Mora lá na África o homem que nem o nome sei. Sangue do meu sangue. Coexistiríamos, mas ele, de fato, não existe.
Existe a moça de saia azul. Existe aquela vindo ali devagarinho (Que gosta de: remédio. E não gosta de: carros antigos.) Existe a roda de pessoas ainda sentadas. O moço da bicicleta, onde estará? Não existe mais... mas eu existo.
É segunda-feira, dezesseis de agosto de dois mil e dez, às catorze horas, vinte e oito minutos e trinta e sete segundos. Uma mosca pousa ao meu lado. Ela existe.

PS.: baseado em Amélie, obviamente, em uma tarde real e em um episódio de House ("One day, one room").

12 de agosto de 2010

Vidro

[...]É como se a sua fragilidade fosse tanta que são necessários meus elogios, meus carinhos, senão você não sobrevive. Senão você cai em estilhaços, e, no final, com as mãos sangrentas, sempre eu que tenho de recolher teus pedaços.

8 de agosto de 2010

Minha poesia

Ah, minha poesia, és
a poesia errada
numa estrada lotada
de erros a se cometer

És da rua, vulgar, essa poesia
Sem norma, sem nada
Sem nem sequer palavra
Pra indignar ou não

És a poesia disforme
Escrita na folha sem linhas
Poesia sem público nem crítica
És só esse ser visível

Desrimada, ó poesia
Me descreva, me perturbe
Dissimulada e vazia
És só som e fúria

Sem sentido nenhum
és só minha alma, poesia
E minha alma é tal qual suja
Profana e linda

Mas podes ser bela, doce poesia
Mesmo assim tão torta
Pois é fácil ganhar num jogo
se ignoras suas regras

3 de agosto de 2010

Ritual

Acho que ela me ama. E confesso que me divirto à beça com isso. Provoco, ignoro, fico tocando-a e acho que ela - no fim - sempre acaba me amando de um jeito ou de outro. É... acho que ela me ama mesmo. Eu acho e ela sabe que me ama. É por isso que provoco, ignoro e a toco: porque seja lá o que eu fizer, ela sempre vem e me ama mais e mais.
E ela é tão linda quando me olha com os olhinhos brilhantes e imagina cenas protagonizadas por mim em sua cabecinha apaixonada. Tão linda! Me divirto com esses olhares. Dou-lhe ainda mais profundos, mais desafiadores e os seus permanecem lá, sempre brilhantes e cada vez mais interessados. Me divirto. Ela sorri e sabe que eu a maltrato assim. Cada vez que lhe lanço um questionamento, com a face confiante, seu corpinho clama mais pelo meu. Por dentro, rio mais. Deixo as provocações de lado e parto pra outra técnica.
Ela vem falar comigo, não dou atenção. Começa a sofrer, a menina. Apela com decotes e carinhos, à maneira dela. Ah, e como me divirto, enquanto ela tenta a todo custo arrancar meus olhos para si! Fica quase pornográfica, lá toda estirada, com suas poses. E quando desiste da apelação sexual, vem amigar-se, vem conversar. Eu sempre rindo. E ela sabe.
Chega então a parte final do nosso ritual. Aproveito suas carícias para tocá-la, sorrir-lhe, elogiá-la e, dessa vez, é ela quem se enche de confiança e eu viro mero espectador no show que a mente dela proporciona. Gosto de tocá-la na cintura, nos cabelos, nas mãos... e gosto de como ela amolece toda e se entrega ao meu mínimo toque. É a fase mais romântica: ela bem, eu bem também. Não rio, sorrio. E ela sabe. É a fase também em que ela fica mais bela: sem tristeza, sem pornografia. Fica bela. Só bela. Só ela. Mas essa é também a minha fase de sofrer: nos seguramos, resistimos à tentação e logo esfriamos.
Volta o processo pro começo. Tudo igual. Volto a provocá-la. Não ousamos consumar, não ousamos revelar, não ousamos nem sequer verbalizar... isso. Porque é bom.
É bom e pra nós dois funcionou até agora. Acho que existe uma certa magia nesse nosso ritual, que vai e volta e nunca tem um fim exato. Eu acho - e ela sabe - que ela me ama. É... eu sei - ela sabe melhor ainda - que eu a amo também.