13 de outubro de 2011

Passo

Não se sabe em que lugar ela estava, mas certamente não era o mesmo. Cada vez que levantava o pé, sentia que o mundo dava um salto pra trás dizendo 'pra quê esforço, minha jovem? andar ainda é fácil como parece ser.'

Andou na rua e achou um cara.

Mentira, nada é assim tão simples: com ela, vieram, pelo caminho, pessoas; umas à frente, umas atrás e umas, (a frente ou atrás) ao seu lado: coladas ou distantes. Acontece que os caminhos não são retos, bagunçam-se, estabilizam-se, correm e param, só não voltam.

Então, andou pelo seu caminho e topou com um cara. Foi uma esbarrada rápida e acho que talvez só tenha sido ela vendo ele passar correndo, mas atingiu-a em cheio.

Podia vê-lo lá longe correndo...
diminuindo...
diminuindo...

Esperou o passo do mundo. Foi birra, eu sei! Ele não recuou!

Queria correr atrás do cara e não era só isso: suas expectativas a ultrapassavam, seus amigos iam na frente estendendo a mão, mas sem parar de andar, o Mundo ria, sentiu a raiva.
Comum raiva, que aqui é detalhe, mas que às vezes não vai embora.

Virou pro mundo, 'se você não vai, vou eu.' e tropeçou porque não é a heroína dessa história e nem é essa história um filme americano. Então, nem importa muito dizer o depois:
provavelmente o seu cara não olhou pra trás.
provavelmente os amigos cansaram de esticar o braço.
provavelmente todo mundo esperava uma vitória na maratona e uma música bem legal de fundo.

Mas que ela deu o passo, sou testemunha: deu.

11 de outubro de 2011

Teoria do "onde"

Fora de qualquer cômodo, dentre um hábitos considerado saudável e outro, ela sentou e escreveu assim:
"O reflexo interno de qualquer lugar inédito é vivo, mas, por ser de condição impressiva, já possui um agente. O agente é vivo, mas não tanto quanto o espaço que o rodeia: eis o sublime. Por algum modo natural de equilíbrio, o agente termina revigorado num ambiente familiar. Quem é humano e retorna, racionaliza a saudade do seu velho-eu e se vê ali também nos danos, na falta, na morte, na rachadura que fez ao tentar pôr um quadro na parede. Um sentimento o atinge em todos os lugares do corpo: queria ser menor, como era quando chegou ali; abriria mão das experiências pelo prazer de revivê-las. Era agridoce. A nostalgia que um ambiente causa é a saudade de ser o que se era somada à lástima da morte causada ao lugar."
E sobre as coisas não sabidas disse isso:
"Antes da chegada do agente, já havia manchas em todo lugar. Pela lei do tempo, virá uma nova pessoa que terá a rachadura do quadro como revitalizante e, então, todas as paredes cairão por ação de alguém. E outro alguém, mais tarde e depois de fazê-lo, lastimará ter construído-nas de volta. Também é verdade que dois agentes podem estar presentes, sendo assim, para cada um deles, o outro é parte do onde."

7 de outubro de 2011

O dia em que a razão ficou na gaveta

Comecei gesticulando.
Eu pedi por uma confirmação.
"Por favor, não fale nada!"
Joguei no lixo o velho argumento de ganhar discussões.
"Mas você disse que..."
Eu não disse nada.

Comecei gesticulando.
E as mãos, desimpedidas,
vão para onde querem ir.
Não se condena a vontade:
vão para onde devem ir.
E criam o caminho passado.

Comecei gesticulando.
Cada toque era um trecho da trilha,
cada tombo era um triste tormento.
quando tonta, tatuei tua tara,
caí no esquecimento.
Já que a mente não trabalhara.

Comecei gesticulando.
E, na verdade, comecei assim
porque só a razão percebe os erros
e era um caminho todo errado.
A mão só age sem esperar,
mas outra mão a tocou de volta.

Sem gesto nenhum, ele disse "sorry"
e eu, contrária a mim,
querendo e sem-querer,
deixando de lado as frases de filme,
despida de lembrança e motivo,
mas vestida de gestos, só ri.

4 de outubro de 2011

Criatura

-Venho descobrindo que escrever, pintar, gravar, musicar é um exercício de registro. Ok, eu já sabia, mas eu tinha certeza que era feito para que os outros soubessem o que eu penso, era uma tentativa literária de conseguir aliados em uns e outros sentimentos. E eu prestei atenção na visão e em como ela mudava com o tempo. O tempo, não: os acontecimentos, as memórias e os silêncios. Os silêncios, eu resolvi não mais. Escrevi e dessa vez eu sabia que era pra mim. Contar uma história perdeu a importância: seria a minha e eu sabia. Apresentação de personagem: seria eu e eu sabia.
-Sete horas da manhã. São Paulo, capital. Um escritor levanta de sua cama e vai arrastando os pés para o banheiro. Mexe nos espessos cabelos pretos, que ainda guardavam mechas queimadas de sol do último verão. Lava o rosto, faz xixi, de olhos fechados vai à sala. Não toma café, nunca tomou. Mentira, já tomou, mas não tem como hábito. Tem muitos poucos hábitos, na verdade: os higiênicos, os mais obrigados. Senta-se e escreve, deste texto, o primeiro parágrafo.
Como sempre, está atrasado e não dormiu bem, então bota a roupa de viver e, com o caderno na mão, sai. Nada de inspiração: o escritor vai ver o concreto do mundo, vai entender sobre como as pessoas são, o que é o comunismo, aprende a andar de ônibus, a ouvir música e se desanima, pois é poeta e é egocêntrico (pleonasmo?) e só quer escrever de si.
-Abre a página do blog - "Nova postagem", precisa escrever pela cobrança de todos os lados, precisa botar pra fora. Folheia os cadernos e nenhum texto alia qualidade e jovialidade. Começa com "Descobri que...", mas é muito certeiro e tudo na pra ela ou é na metade ou é compartilhado com mais gente, porque é uma dependente química de gente. Condiciona pessoas a atividades, a lugares, a momentos e sofre de abstinência quando não toma a dose necessária. Prefere "Venho descobrindo...", pouco prepotente, socrático e serve. Vai e começa a se escrever.
-E começa a me escrever. Quem diabos ele é pra se dar ao direito de sair do papel? Ah, mas que poesia bonita e falsa é essa cujos personagens não vivem: estão na minha mente, estão na minha carne, nos outros, no verso - que é muito mais do que tinta em papel. Usa da sua maior arma: as palavras. NÃO! Cale a boca! Você sabe muito de mim!
-Acima de tudo, ela é uma garota. Guarda uma paixão meio impossível, mas não porque é imaginária como as de criança. É impossível porque ele é bonito demais, legal demais, inteligente demais. Ah, ela é uma garota, sim! Só uma garotinha! Quer se dizer super inteligente, não é? Porque só eu acho-a bonita e só vejo graça nela, teve de fugir pro campo intelectual. Todo mundo procura a coisa na qual é melhor, não é?
-O escritor vem cheio de segurança porque não tem nada a perder.
-Ah, a garotinha é inteligente mesmo, eu admito. Não fique brava. E linda ela é, com o sorriso dela e o cabelo meio bagunçadinho. E temos uma coisa em comum: eu escrevo e ela também, criamos assim nosso universo. O código: língua portuguesa. O canal: ela na caderno e eu por ela.
-Você por mim, então defino que, por pudor, mas com um largo sorriso na cara, esse é o último ponto final -> .
-(Ela acha que pode me controlar, mas sou reticente pra sempre.)