20 de fevereiro de 2012

E desencontros

Foi no meio da rua:
ela vestia sua camiseta preferida
e não fazia sol direito.
Andando no ritmo do cantarolar,
via o concreto fugir em listras
correndo dela (mas devagar);
chovendo cinza na horizontal.
Pararam em pés conhecidos,
calças conhecidas,
mãos conhecidas nos bolsos
ombros conhecidos
e a boca num conhecido sorriso
beijando o beijo conhecido
e dizendo assim:
"What are the odds?"

E assim também:
Hoje, sim, tinha sol
outro dia com aquela camiseta
mas agora com o cheiro conhecido.
O chão estava em bolinhas
e a estaticidade permitiu pensar
nele chegando ali
com a imprevisibilidade conhecida,
na situação desenhada improvável,
nele sozinho e sério,
e a boca desenhando um euteam-
Os pés de volta no concreto,
queria acreditar, mas
se presenteou com a realidade
pensando assim:
"What are the odds?"

14 de fevereiro de 2012

Bruta flor

Mínima de 18 e máxima de 21 graus celsius hoje na capital.

Uma mão tateia pra fora da sombra e se estende, calculando o sol com a palma pra cima como se faz com a chuva. Não chega a atingir a pele como fez a mesma estrela há tempos: o queimarzinho que precede a vermelhidão, ambos relaxando as pestanas como só o ócio sabe fazer. Em vez disso, o cotidiano joga-se nos olhos, pesado e constante.

Os porquês não caberão nesse texto, salvo os que esbarrarem na paixão, mas estes foram enterrados tão fundo que temo evocar, na verdade, uma grande teia muito pior do que não sentir. Até deixando de lado a apreensão, é pouco visível nos passos dados na rua, no almoço de todo dia e nas conversas burocráticas a luzinha que nunca vai embora, da ação pessoal, da vontade primeira e legítima.

É a mão que estende para o sol querendo a chuva.
É o abraço que supõe o beijo esperado. É a seriedade que pretende o mistério que deseja o interesse que almeja o júbilo... e um milhão de outros processos.

Mas mastigada nas instituições, fatigada pelas distâncias e discrepâncias, enganada e subvertida pelos dogmas impessoais, mantém-se à espera da descoberta e reza pela aventura, pelo total cumprimento ou descumprimento (e por que não os dois? e por que não alternados? e por que não em ritmo frenético?) de sua ideia.

Mais sublime ainda é a inconsciência: quando se tropeça no prazer, já nele mergulha barrando qualquer grito da pretensão e do planejamento, dádiva dos que vivem já durante a queda.

É o espírito jovem e não-cauteloso que escreve-lhes e diz assim:
Deixe o sol desenhar sua chama, deixe-se, ainda, pálido e hipotérmico (não é bonita a endotermia, se é vontade do corpo o calor?), mas, por favor (por favor!) só não deixe a falsa promessa de calma da apatia.

8 de fevereiro de 2012

Pra eu lembrar pra sempre

De grande superfície de contato,
o cotidiano, a humanidade, a fácil, a falsa palavra
a poesia profana se deixa fazer

Que é a poesia que ergue as sobrancelhas,
derrama um sorriso paternal e diz cheia da razão
que a vida não é boa e ninguém é feliz
e que termina por comemorar a melancolia.

Filha da puta enganosa!

Bonita a foto da família (tons de sépia, uns tios mortos)
os abraços partidos lembrados (tons de sépia, uns tios mortos)
aquela nossa música (tons de sépia, uns tios mortos)
Brindemos à nostalgia!

Filha da puta enganosa!

As lembranças que montam o passado
são dum quebra-cabeças quebrado
que brada contra o cotidiano de hoje
romantizando o cotidiano de ontem

Filha da puta enganosa!

Quero mais é que venha a moça,
traga seu sorriso dor-de-rosa
me crave os espinhos e roce suas pétalas
e erga suas folhas num abraço

E que fique pro futuro, mas senão... (Filha da puta enganosa!)

...que pelo menos, presenteie-me com o presente
vindo dentro duma caixinha e tal
com uma mensagem visceral
que é pra eu não esquecer nunca mais

porque, também né?, ninguém é de ferro!