30 de novembro de 2010

Outra média

Não a de café-com-leite, embora envolva-a também.
Já vai dar um ano inteiro
E uma metade de sentimentos por vir
Na média morrerei com 28
ou lá pararei de pensar.
E de sentir.
Melhor não.

Dá até pra ver umas constantes
mudanças aqui, amores lá
e o número varia
e o tema varia
e eu vario.

Daqui pra lá.
Aqui, ali ou em qualquer lugar.
São 12,5 por mês
São dois meios do inteiro.
E intero o roteiro
vivendo.

29 de novembro de 2010

Saudade

Quem disse que eu deixo
e que não me queixo
se você me deixar?

O mundo é tão duro
e tem pouca gente
pra gente amar

Então se me foge
eu perco a poesia
a mania de existir

Eu perco esse brilho
Essa alegria que me rege
A cor que me protege

Sem você ainda sou eu
Mas sou eu-pura
não-humana, eu-dura

Eu-homogênea
eu com a cor daquilo
que o mundo me impõe.

27 de novembro de 2010

Clareira

Teu encanto é filho pródigo do acaso
Por culpa dele virei sua remetente ignorada
Sua remetente que, por falta de selos ou de coragem
termina por transformar as cartas em poema

Tuas reflexões pra mim são aleatórias
Porque, de tão emocionais, fogem às contas
E eu não consigo entender, não consigo.
E o que eu não entendo é aleatório.

Não sei quantas horas tem seu dia
Sei que cada uma delas não é em vão
Sei que teu modo de ver o mundo é uma das poucas coisas
que não compreendo, mas que me fascinam

...no tempo
cadeia das horas
eu meço no vento
o passo de agora [Marcelo Camelo]

Rápido e rasteiro

Vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar.
Aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida. [Chacal]

22 de novembro de 2010

Sorrindo

Ela anda sorrindo
Come sorrindo
Cumprimenta sorrindo
Despede sorrindo
Ela tenta sorrindo
Ela é triste sorrindo
Fala sorrindo
Conquista sorrindo
Se apaixona sorrindo
E morre sorrindo

E todos esses sorrisos ela dá sorrindo.
O que é raro.

A maior agonia

Olhe o relógio. É hora de ditar vontades.
Os ponteiros batem, eu vou me embora.
Meus pés doem e eu quero a minha cama.
Preciso comer alguma coisa. Decida-se logo.
Você sabe, amanhã eu trabalho,
então se você for demorar mais que meia hora,
me avise e eu vou-me embora.
Pelo menos, deixe-me saber se você vai responder
porque se não for, meu tempo é à toa.
Não franze a testa desse jeito e nem me olhe por baixo
Minhas mãos agarram o céu, eu te sinto perto.

-Eu te quero agora.

Que estraçalhem os relógios.

20 de novembro de 2010

É suspiro

O abraço dele é suspiro. Vem de manso e, numa parábola, seu ápice me inclui também. Esse mesmo abraço ondula. Seu rosto acaricia o meu algumas vezes, e algumas vezes inspiramos e expiramos, antes de me deixar ir. Seus braços contrariam seu nome e são quase leito. Às vezes quero agarrá-los e beijá-los subindo aos ombros. Quero seu cheiro sejá lá qual for. Seu abraço quer dizer tudo o que ele sente em alguns segundos. O significado mais profundo é daquilo o que ele tem em frente. Em mente. Ele é tão momento. Ironicamente, ele tem os tempos entre os dedos. Ele faz o que quiser. Em cima de uma caixa, de um livro, no chão. Ele tem todas as dimensões. E isso tudo ele me conta, quando seus braços envolvem minha cintura e sorrimos juntos. Conto a ele uma outra porção de coisas. Nosso abraço é nossa média.
Ele me solta e eu já sou outra. Meus braços tendem a escorrer levemente pelos dele, na tentativa infantil de permanecer, mas já é tarde. Meu corpo deseja guardar aquilo que, de todas as formas, lhe faz tão bem. Não consegue. Seus olhos ditam a hora de ir. Seus olhos vêm o mundo inteiro e o momento é todomundo. Em outra situação, quem sabe. No contratempo da vida nos encontraremos. Numa terra branca, sua mente e a minha, seu corpo e o meu, viveremos sem os pudores que o mundo nos enfia pela goela. Numa terra branca de nome imaginação. Mas tem tanto lá fora. Tem tanto amor. Tanta informação. Tanta gente. Tanta vida que meus braços são pequenos. Ainda assim, o abraço e transmito nada, fingindo ser muito só pra prendê-lo aqui.

Triste, triste suspiro...

Noutro plano,
te devoraria
tal Caetano
a Leonardo di Caprio[Djavan]

Quebrando a promessa

Foi bom conversar contigo.
Foi bom poder gritar meus pensares.
Depois cansei, peguei nojo.
E nunca mais quero te ver, de fato.
Pois te odeio.
E ver tua imagem virtualmente
ou o medo de te ver realmente
me fazem tremer de horror.
Mesmo assim foi bom.
O que não diminui meu ódio.
Você trouxe à tona os cheiros que eu não gosto
a vermelhidão da tua pele é feia
é vulgar e sempre traz segundas intenções asquerosas.
Eu me prometi não escrever sobre você
porque eu escrevo sempre fundo na carne.
Mas não pude te esquecer
e me enojo por não poder.
Te odeio.

18 de novembro de 2010

Palavras, escritos.

Palavras, escritos.
Corre uma gota de suor pela face. E corro eu atrás da vida. - ou corre ela atrás de mim? Incessante. Feito um puzzle torto onde nada parece se encaixar. Tu tens que ver do ângulo mais estranho, virar a peça de costas, cortá-la, moldá-la. E não há, de fato, modo correto de encaixe. A vida é tão bela.
Palavras, escritos.
És cego e dessa tamanha escuridão que te envolve, te achas rei. Mal sabes tu que me libertas aqui fora. Tem uma luz no fim do túnel. Não há túnel. Tem uma luzinha piscando de vez em quando. Sou eu. E tu voltarás a ver.
Palavras, escritos.
Se aproximam mais de mim, cada vez que és meu. Cada vez que enxergas ou quando, apalpando a escuridão, agarra a minha mão. Se lotam de verossimilhança quando, tão ingenuamente, você me faz escrever sobre coisas que antes eu escrevi sem propriedade alguma. Agora eu sei.
Palavras, escritos.
São todos teus.

15 de novembro de 2010

Arrepio

Gabi tinha um amor. E não importava quantas vezes ela tivesse que ser derrubada, ele parecia prevalecer. Lucas era o único que não notava. E ela gritava tão alto que não tinha como ele não ouví-la. Mas ele não ouvia. Ele havia dispensado-a diversas vezes; repetidamente, negava a possibilidade da sua própria felicidade. Gabi era bonita até. Era legal até. Até que lhe fazia bem. Mas ele não via. E ela não se importava. Estaria sempre lá pra quando ele conseguisse perceber o quanto ela precisava dele. De fato, nem Gabi sabia por que gostava dele daquele jeito. Ela sabia que queria suas almas tão entrelaçadas quanto seus corpos e, assim o abraçou. Mas ele não a sentia. "Você não se arrepia? Eu canto alto e claramente que estarei sempre te esperando. Você não se arrepia?"
Ele não se arrepiava. Ela chorava, indignada. Suas amigas reclamavam porque Gabi não deveria se desvalorizar assim, não deveria se entregar tão facilmente. Ela não ouvia. Mas nada disso realmente importava pra ele, porque ele poderia chamá-la a qualquer hora que quisesse, e não importava o quão cansada ela já estava de sempre terminar sofrendo, ela iria. Mas ele não via.

"Don't you shiver
Sing it loud and clear
I'll always be waiting for you"[Coldplay]


As araras

Cenário verde
Criança de vestidinho come um sorvete
Pássaros gorjeiam, são araras tão azuis
Os pais da menina sorriem
Gorjeiam; um amigo mais velho
Eu vejo, pega a menina no colo
brinca com o pai da menina que ri
Teriam a mesma idade a menina e o amigo
mas não pode ser com aquelas rugas
com aquele cabelo grisalho...
o olho é mais azul que o azul-arara, mais claro
e elas ainda gorjeiam.

Mas o cenário acinzenta-se
apesar dos mesmos traços italianos
A menina nem cambaleia nem traz sorvete
Vejo a jaula das araras azuis ao longe
Foi-se frescor que trazia sorriso
Não há mais colo pra menina
Não há mais idade também, nem existência
O amigo ainda tem rugas, ela se lembra
E os cabelos ainda trazem o grisalho eterno
O olho é tão azul quanto o azul-arara, ambos fenecem.
Não mais gorjeiam.
Nem as araras são eternas.


2 de novembro de 2010

Cor e nota

A cor é a nota. E através dessa percepção sinestésica, eu sei quase naturalmente que as cores que se casam são equivalentes às notas e suas harmônicas. De cada pincelada, vêm as luzes naturais e os acordes delas, e as combinações delas que, aplicadas ao ambiente, soam música. A luz é o som. As fotos são músicas. E eu canto as paisagens, eu fotografo o amor e pinto o sonho. Tiro dele todo aquele tom de sépia, aquela sinfonia triste de quem almeja a existência e transformo em vida real. Quem fotografa, escuta. Quem vive, canta. Quem dá o corpo de espelho pra luz natural que vem das coisas, compõe sempre uma obra. Pincela e nunca apaga a tinta que firmou na tela. Eu vejo tudo agora e ninguém pode contestar minha certeza. Eu ouço tudo e nada seria tão real. É o tato com tudo, contudo, que me faz humana.

Les temps sont durs pour les rêveurs

-Ela está apaixonada.
-Mas eu nem mesmo a conheço.
-Oh, sim, você a conhece, sim.
-E desde quando?
-Desde sempre, Nino, desde sempre... Nos seus sonhos.

[Le fabuleux destin d'Amèlie Poulain]