De olhos semicerrados ela anda vagarosamente. Nos pés a impensada inércia e, na cabeça, branco. Não precisa de mais nada que não aquele momento. Ela não espera, não quer e nem corre atrás. Os desejos acostumaram-se a viver ali sem externar-se e quase não existem mais. Os sorrisos todos foram guardados em algum lugar, mas ela já não pode mais achá-los. E os amigos, por fim, deixaram de ser amigos. Ela parou de amá-los. Parou porque sentimento, agora, é algo raro pra ela. No máximo alguma indiferença ou frustração, mas não amor, não persistência, não alegria nem coragem. Os dias que acabam pela metade vão-se desenrolando sem motivo nenhum.
Ela levanta o olhar desdenhoso para a vida pensando em qual seria o melhor jeito de sair daquele lugar. A cidade parece corresponder à sua indiferença com mais indiferença ainda. As pessoas passam sem nem olhá-la. Ela quer odiá-las. Não consegue. E segue a andar.
E em pleno viaduto cinza, nesse passo pesado de angústia, na embriaguez do silêncio da sua mente é que volta a sentir. Mas, então, sente-se triste. Sente-se dor. Sente-se desilusão e decide voar. Voar pra bem longe, pra onde ninguém pode achá-la. No vôo que parece perdurar horas, só consegue pensar num lugar pra onde quer ir e quando o vôo se acaba ela parece estar bem onde queria. Ela morre na contramão atrapalhando o tráfego.
Socorro!
Não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar nem pra rir
[...]
Alguma rua que me dê sentido
Em qualquer cruzamento, acostamento
Encruzilhada
Socorro, eu já não sinto nada...