8 de janeiro de 2012

Uma emoção pequena, qualquer coisa

Eis que quando você pensa que se livrou, lá vem ela, rastejando devagarinho, disfarçando-se de pensamento, mas não! É pura lógica e vai vir cortante direto na sua garganta, a exatidão.

(Dessa vez não é feedback
estou bem e pronto e só e basta)
E basta, mas na verdade não devia.

Porque todas as meninas estão aí chorando os relacionamentos perdidos
Não, não: todas as pessoas o fazem.
Todos os moços barbados e todas as senhoras pudicas.

E então eu, muito correta, assino os papeis devidos.
Quem tem direito de sofrer, sofre.
Não o ganhei, mas está tudo em casa:
quem tem direito de morrer, morre
e quem tem direito de viver, fica por aí mesmo.

(Acho que isso é mais pra mim mesma,
mas achei válida a pseudo-sugestão
já que sempre foi bonitinho o blogzinho e tal)

Faz uns meses que eu já não sinto amor, nem dor
eu já não sinto nada. (Socorro, alguém me dê um coração!)
Me falta o papel da permissão: "você me faz bem e pode ser feliz agora"
ou ainda "te odeio e te farei sofrer", que seja, é um começo.

Ou eu devia dar uma choradinha,
mas eu e as emoções não aprendemos a coexistir.

Assinado aqui. E aqui. Obrigado pela preferência.

(Entendeu? Bem.) :)


PS.: E valeu pela música, Arnaldo Antunes :B haha

4 de janeiro de 2012

Faísca

Pra ganhar a dignidade das páginas, uma história não precisa de uma grande particularidade. Natan, por exemplo, não nasceu de sete meses, de uma mãe doente e nem seu nascimento foi um milagre e, embora assíduo participante de consultas pré-natais, seu pai viu-se surpreso ao observar o pequeno animalzinho humano ensangüentado saindo de sua esposa.

Os dias seguintes foram igualmente recheados de acontecimentos inéditos: o primeiro banho, a primeira fralda, a primeira mamada, a primeira roupinha... Na verdade, tinha uns seis meses que o pai de Natan não passava muito tempo sem uma boa notícia incomum. Sentado no sofá, as mãos da esposa nas suas, “Fui ao médico hoje. Sim, tudo bem. Não sei como lhe dizer.” Ela chorava de leve. “E você me preocupando à toa? Um filho! Não, será menina? O que você tem que comer? Vamos fazer uma lista! Ligo pro seu Nogueira hoje e aumento minha carga horária!” Ela sorriu e não foi de leve. E então cada ultrassom trazia um órgão a mais, uma roupa ganhada da tia, uma orelha nítida, um berço, 2 quilos a mais, um batimento cardíaco...

Agora dois olhinhos pretos entre os lençóis brancos: era vivo. Acenou e o bebê inerte. O pai não era inseguro, mas, como todos os amantes, pensou que talvez seu filho não gostasse de si. “Aos 14, vá, 15 anos... espero que ele diga que não gosta mesmo, mas e se não me amar nem um pouco nem por um tempo?” A mãe ria “Deixe Natan em paz que não é sua imagem que vai resolvê-lo.” Resolvê-lo. Aquele bebê era um mistério.

Porque quando falasse seria tarde demais e enquanto não falasse, seu pai só podia retirar tudo o que queria daqueles dois olhinhos pretos (depois aprendeu: a temperatura da água, o choro, o suor, as mãos fechando, o sorriso desdentado, tudo falavam naquele natanzinho).

O garotinho ainda reagia pouco. Impaciente, o pai estalava os dedos, respirava forte e andava de um lado pro outro. Será médico ou professor? Ou nenhum dos dois: “Não vamos limitar Natanzinho, amor, deixe-o ser”. Só queria saber! Voltou a ser uma criança curiosa, olhando por cima do berço e esperando, como se anos fossem passar em segundos. Natan era um garoto forte, de cabelos pretos, com um sorriso que fazia as moças se apaixonarem. E esse pequeno porquinho no berço, quando será Natan? Ele não era um garoto forte: era um bebê vermelho, era uma criança feliz, era um jovem saudável, era um adulto estável – e, ah!, as expectativas paternas, deixe-as! Era um bebê chorão, uma criança tímida, um jovem ruim de matemática, um adulto apaixonado. Sei lá, o amava muito. Era um mistério.

Queria saber de onde viera o pequeno – e não acreditava em reencarnação, mas todas as pessoas da vida têm um lugar de origem, Natan devia ter também. Não o útero. Queria saber o que pensava Natan, o que pensaria, o que faria e quantas partes disso já estavam ali naquele animalzinho humano. Então, esse homem, cujos dedos agora eram gigantes explorados por mãozinhas delicadas, entendeu que podia ter chegado logo no começo e vira, como nunca (nem seu irmão mais novo nem mesmo suas ideias), a faísca. Estava livre da vaidade de ser dono da chama, do incêndio, dos estragos, do calor, mas a faisquinha, aquela amável faisquinha era toda dele e sentiu-se, enfim, pai de seu filho Natan.