31 de agosto de 2012

Dedicatória

ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ

"Para que não passemos,
o livro pelas estantes,
tanta percepção humana,
a escrita sensível e honesta
e eu, pela sua vida,
em branco.

Mari
ago/2012"

28 de agosto de 2012

A gentileza em doses crescentes,
crueis simuladoras de sentimentos
maquiando de espontaneidade.
Exige-se que gostem de si.

22 de agosto de 2012

Uma paisagem infértil

Rasga as vias aéreas o ar preto
Topa em todas as ranhuras e doi
Não tem água em São Paulo
e meus olhos tampouco chovem.

O céu faz-se azul de ironia
Não desagua e nem assim pretende
Ficamos cá esperando molhar
Vamo, chove! Chove!

Não importa a cor comprada:
todos os carros são marrons
as pessoas se ressecaram
e a garoa bairrista não veio.

Desfacelam-se os amores urbanos
Sem saliva sexo suor sinapse
olhos secos, a garganta sussurra
Chove, chove, vai, chove!

Venha a chuva do céu depressa
lavar-nos das histórias antigas
tirar-nos as crostas das distrações
fazendo ver claro o que é de se ver.

19 de agosto de 2012

Personagem

Pelo menos Clarice tinha uma esquina, uma menina, uma nordestina a quem só faltava dar-lhe a sina.

Eu nem sei quem é que procuro, porque não tem rosto nem vida. Hei de criá-lo, não como filho, sem carinho, sem censura. Devo matá-lo, devo odiá-lo? Preciso que se adeque à história, que seja favorável aos meus argumentos, talvez por ser antônimo ou sendo meu herói, mas se o for que não seja eu! Que passe longe de mim! Não sei o que fazer, mas sei que agora ele ri de mim, deitado no meu ombro direito, rindo, rindo muito... é homem, é um menino. Talvez nem seja lá muito bem-humorado, mas como é engraçado que eu o procure e ele esteja bem aqui. Tento fazê-lo longe de ser heroi, mas já se lhe alouram os cabelos. Tento que seja experiente, mas é um menino e já o vejo levantar uma bandeira em frente a uma multidão, quando o queria fraco. Que adianta querer? Personagens fazem o que querem com seus autores.

16 de agosto de 2012

A mulher

Tem a santidade de mãe simples
e alegria ressentida em viver
o seu depoimento genérico faz dela
a mulher mais forte que eu já vi.

Não se nota se é bonita ou gentil
só nos diz ser mãe-órfã de filho
(moço companheiro, dela arrancado)
da mulher mais forte que eu já vi.

A bondade que se lhe encerra satisfaz
Não julga as putas senão com "Cuidado!"
Deitamos no colo leiteiro, nos braços
da mulher mais forte que eu já vi.

Agora que os anos lhe chegam ao rosto
E o filho, há muito tempo ido
resta uma pergunta incomodando
a mulher mais forte que eu já vi.

Uma pergunta que nenhum outro ousou
E que a faz, ao menos, mais forte que eu
que aponto a fraqueza dos que creem
como a mulher mais forte que eu já vi.

Ela pergunta "Deus, por que meu menino?"
assim, com desgosto, ferida, traída
tem o luxo de odiar seu próprio divino
a mulher mais forte que eu já vi.

12 de agosto de 2012

Kika Canibal

Kika quando uniu-se em sagrado matrimônio
ganhou, do homem, as juras e o nome
Wellington Canibal ganhou a crueldade da alcunha
de ser vil com o machado contra a carne dos bois

Kika Canibal ia à igreja todo dia
o que enchia a alma bruta de Wellington de alegria
Cabia à moça, pelos deveres do casamento,
expurgar os pecados do marido violento.

E se Kika, de bom grado, se fazia a salvação
Era de ver no amado o que tinha lá no peito
A maldade escondida, convertida desse jeito:
O pudor é a pior forma da perversão.

Kika Canibal crente, crua, pura
apesar de tudo santo, só condenava o adultério
podia morte, podia vida, podia roubo
podia mandar um querido pro cemitério.

Wellington escolheu a dedo o pecado
e de uma moça da cidade, ficou enamorado
Kika descobriu e, como disse que faria
Foi atrás, pegar no flagra a maldita putaria

De batom vermelho e empunhando nome
Designou, pra barriga do marido, um punhal
E guardou pra mulher sua fome
quando lhe arrancou a orelha com os dentes
Kika Canibal

10 de agosto de 2012

Arritimia

Os olhos nunca dão o braço a torcer
e se se expõem, as bocas diminuem-nos a risos.
Os peitos voltados a lados opostos.
Os passos não são múltiplos uns dos outros
(não coincidem nunca daqui até o infinito)
Às cabeças fogem os momentos certos:
quando um pensa no outro, este não se encontra
e se se encontram, se perdem mais uma vez.

É uma imagem realmente curiosa
que só não é bonita porque é um mistério
como dois corpos se puseram assim
de costas, distantes, estranhos
e sem ousarem admitir em palavras
tranquilos, tímidos e sem motivos
furtivos
dão as mãos.

Too dirty to

Reality can do me no harm
It doesn't even reach me
I'm stuck in a underestimated
overcreative, free and horrible mind,
watching it all and claiming it normal
not offering the world any reaction
Still.
Safe.

I am immune to weirdness,
my mind is a freakshow.

8 de agosto de 2012

Pra fora

Preciso vomitar o peito
Se não agora, em poucos minutos
Das formas que há, que seja estomacal
Bruto, nojento, dolorido
Dispenso o milagre da lágrima
E a prática arte catártica
Espero e forço as entranhas
Há de ser fisiológico e ter mau gosto
A alma temperada com nada
recheada da dor de ser.

Sublime

O sublime vive me escapando:
Teço ensolarados dias com descrições parnasianas
e os olhinhos encantados que os contemplam
e quando cai a noite
o tempo fecha
os olhos fecham
e meu coração se fecha junto.

1 de agosto de 2012

História de amor

E agora?
Multiplicar a saudade.
Fazer, do encontro, evento.
Lotar os silêncios desajeitados
de riso, calma e sentimento.
O sorvete vira banquete.
No céu, uns cavalos alados.
E a noite de São Paulo, amarela
agora se faz à luz de velas.

Tiro tudo o que é pequeno e profundo:
beijo roubado e Machado num marcador,
pra poder contar pra todo mundo
uma suposta linda história de amor 

Pra fazê-los suspirar
Pra fazer-nos rir
E pra eternizar nas entrelinhas 
a história que contarei aqui:
uma história dessas infames
das pequenas e banais
das tranquilas e reais:
Eu. Você. E nada mais.