30 de março de 2011

Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres

, e surge aqui um capítulo que dá sentido ao resto - como todos os outros fazem, surge um capítulo que responde a questões dos anteriores - como todos os outros fazem, e que é essencial para a continuidade da história - como todos os outros são. Porque, no fim, a vida significa o seguinte:

25 de março de 2011

There's no fight against life

Você pode lutar pelos seus amores
Pode combater seus inimigos
E esfaquear seus medos
There's no fight against life

Você pode derreter sua mente
Pode gritar contra o seu corpo
E derrubar as paredes da sua sala
There's no fight against life

Você pode até socar suas vontades
Pode negar seu exército
E sangrar as feridas alheias
There's no fight against life

E você pode esfarelar seu si
Pode devolver sua energia
It's just a runaway
There's no fight against life

Life is a giant fight by itself.

17 de março de 2011

Lispector

Eu tocava guitarra quando a campainha tocou intermitente em seus intervalos curtos. Taquei a palheta em algum lugar e corri, pois tenho aflição da aflição daqueles que não encontram o que procuram. Tal qual o telefone quando toca sem ser aliviado, a campainha aumenta seu desespero a cada vez mais que é apertada. Chutando o cachorro de lado, abri a porta correndo e um carteiro jazia com sua roupa azul-amarela e o sorriso azul-céu que faz com que toda teoria da campainha desesperada vire somente uma loucura minha. Estava o tal carteiro na paz incomum de quem não tem pressa - e quem por aqui não tem pressa? Fui simpática como não costumo ser. Assinei um ou dois papeis e olhei para os dois pacotes que endereçavam-se a mim. O primeiro eu já sabia o que era: meu irmão que me devolvia um documento meu levado sem querer. O segundo me surpreendeu.
Havia combinado com uma amiga de Viçosa, no interior de Minas, que ela me mandaria um livro de Clarice Lispector que eu lhe disse que queria ler. Me esqueci de dizer que tenho lido religiosamente "A máquina do Mundo", que é a coletânea de crônicas escritas por Clarice no Jornal do Brasil entre os anos 60 e 70, como se o lamentável dia 9 de dezembro de 1977 (que se não fosse esse, seria outro tão lamentável quanto) nunca tivesse existido. Sim, leio-o como se falasse com ela, como se ela me ouvisse e, pior, como se ela sussurrasse cada uma de suas percepções pra mim. Bom, imaginei que fosse o livro que chegava no pacote estampado com uma paisagem. E o era.
Ainda não abri, exceto pra pegar uma carta que vinha junto. Carta esta que, escrita à mão, me fez pensar como a tinta que viaja quilômetros é muito mais intensa do que qualquer coisa que venha virtualmente, simplesmente por já ter estado nas mãos de pessoa tão distante. A palheta não consigo mais achar, mas não faz mal porque vou fazer um café e ficar por aqui namorando essa obra até que Clarice se desocupe e resolva vir sussurrar-me ao pé do ouvido de novo.
E aqui ficam um abraço fraterno pra Nica de Minas, um sorriso ao simpático carteiro e um clamor desesperado a Clarice.

13 de março de 2011

Daqui pra frente

E eu deitei. Um travesseiro pra fazer doer menos a mão e a coluna numa posição absolutamente desagradável. E eu deitei e ouvi todo meu passado que me perguntava "sabe?" ao fim de cada frase. Ah, e eu sabia. Só aceitava com a cabeça e ela falava e ela falava. E então eu falei meu futuro. Eu menti meu futuro. Eu nem mesmo sabia e repeti "e se? e se? e se?" A coluna doia mais. O escuro desbotou as cores. Se eu fosse escolher uma hora pra morrer não seria aquela. Havia tanto a ser dito e a tanto a ouvir. E dissemos e ouvimos. Só morreram partes, que desgastaram e voaram como pó. O medo tornou-se visível. Risível. A coluna me obrigou a trocar de posição. E eu concluí - e nós concluímos: eram necessários equilíbrio, paciência e coragem.

2 de março de 2011

Salão de Dança

Devo admitir que condeno alguns tipos de música por serem simplesmente 'dançantes' e que condeno ainda mais algumas danças, principalmente quando são coreografadas e quando deve-se andar estritamente não-sei-quantos passos pra cá e pra lá. Vejo porém uma beleza forte e inteligente em duas pessoas que bailam deixando-se levar pela música e pelo outro. Sinto uma cumplicidade que parece amarrar os dois corpos que podem soltar-se e avoar-se e ainda assim voltam a seu par como fosse casa. Constato tudo isso vendo um grupo de pessoas de todas as idades em algum tipo esquisito de aula livre de dança. Esquisito porque acho que este tipo de coisa não se aprende. De qualquer forma vejo daqui de cima velhinhas que perderam sua confiança e só cambaleiam bobas seguindo o professor. Crianças que correm passos ritmados - as mais entregues!
A negra gordinha é chamada pra dançar com o professor. Ele, entre gracejos, elogia seu borogodó. O resto da turma ri lisonjeada como se ele elogiasse, assim, o borogodó de cada um deles. A gordinha se empolga. Devo adicionar que ela dança bem. Bem como quase ninguém ali naquele lugar, nem mesmo o professor que, sabido de todos os passos do mundo, ainda não conhece seu próprio borogodó. As duas criaturas porém que mais me fazem saltar os olhos não estão no centro das atenções ou têm seu borogodó elogiado. Ambas estão em seus próprios mundos e entenderam, enfim, o que é dançar.
A primeira: um casal que parece estar ali somente pra aproveitar da música que estoura nas caixas de som. Dança com propriedade tanto os passos - que não odeio mais com tanto vigor - como a alma. Ele a leva e o corpo dela vai, mas não sem relutância: de vez em quando se nega a ir pra algum lugar e recebe de volta um sorriso e a concordância dele. Ela reluta muito. De certo, não o quer. Mas por que ainda dança? O engraçado é que, apesar das fortes negações dela, a dança flui naturalmente, sem empaques e de forma sensual e lotada de cumplicidade.
A segunda é uma moça que deve ter seus quinze anos e que perceptivelmente tem síndrome de down. Esta dança olhando pros seus próprios pés - isso quando não fecha os olhos, e balançando os braços da maneira que se sente confortável. O mais incrível é que no salão pouco se encontra gente que siga agindo sem errar nem mesmo um compasso. Ela não erra. Arruma o cabelo em dois tempos e esbarra num casal em um que não sobra pois logo ela preenche mais um se recompondo do tranco. E assim vai a menina. Perfeitamente compassada. E se a música parasse a menina continuaria assim a viver. Continuaria preenchendo a vida com mínimas, semínimas, colcheias e até mesmo pausas de ações.