17 de março de 2011

Lispector

Eu tocava guitarra quando a campainha tocou intermitente em seus intervalos curtos. Taquei a palheta em algum lugar e corri, pois tenho aflição da aflição daqueles que não encontram o que procuram. Tal qual o telefone quando toca sem ser aliviado, a campainha aumenta seu desespero a cada vez mais que é apertada. Chutando o cachorro de lado, abri a porta correndo e um carteiro jazia com sua roupa azul-amarela e o sorriso azul-céu que faz com que toda teoria da campainha desesperada vire somente uma loucura minha. Estava o tal carteiro na paz incomum de quem não tem pressa - e quem por aqui não tem pressa? Fui simpática como não costumo ser. Assinei um ou dois papeis e olhei para os dois pacotes que endereçavam-se a mim. O primeiro eu já sabia o que era: meu irmão que me devolvia um documento meu levado sem querer. O segundo me surpreendeu.
Havia combinado com uma amiga de Viçosa, no interior de Minas, que ela me mandaria um livro de Clarice Lispector que eu lhe disse que queria ler. Me esqueci de dizer que tenho lido religiosamente "A máquina do Mundo", que é a coletânea de crônicas escritas por Clarice no Jornal do Brasil entre os anos 60 e 70, como se o lamentável dia 9 de dezembro de 1977 (que se não fosse esse, seria outro tão lamentável quanto) nunca tivesse existido. Sim, leio-o como se falasse com ela, como se ela me ouvisse e, pior, como se ela sussurrasse cada uma de suas percepções pra mim. Bom, imaginei que fosse o livro que chegava no pacote estampado com uma paisagem. E o era.
Ainda não abri, exceto pra pegar uma carta que vinha junto. Carta esta que, escrita à mão, me fez pensar como a tinta que viaja quilômetros é muito mais intensa do que qualquer coisa que venha virtualmente, simplesmente por já ter estado nas mãos de pessoa tão distante. A palheta não consigo mais achar, mas não faz mal porque vou fazer um café e ficar por aqui namorando essa obra até que Clarice se desocupe e resolva vir sussurrar-me ao pé do ouvido de novo.
E aqui ficam um abraço fraterno pra Nica de Minas, um sorriso ao simpático carteiro e um clamor desesperado a Clarice.

5 comentários:

  1. Clarice tem esse poder sobre a gente. Quando eu a leio, também sinto como se ela estivesse se comunicando comigo, e somente comigo! :)

    PS: A história na qual se inspira a crônica é muito fofa! A Nica vai adorar ler isso aqui!! :)

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  2. Sua LINDA!! Adorei o texto! Que bom que chegou direitinho e rápido!!
    Espero que aproveite a leitura (a minha sobre está obra foi simplesmente esclarecedora de mim mesma).

    E o mal chato desse mundo virtual que nos rodeia é esse: as vezes nos rouba essa sensação tão singela e intensa de receber/ler/ter em mão uma simples carta!

    Ohhh abraço sentido! :)
    Um Beijo!

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  3. Fico orgulhosa de saber que tenho uma filha tão carinhosa com as amigas!
    Beijos
    Eu te amo!

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  4. já troquei cartas com pessoas conhecidas pela internet... era bem divertido.. e essa coisa da fusão entre o virtual e o real, tbm era legal. bons tempos de topico livre da comunidade do wonkavision...

    hj chegou em minha casa o livro do stuart murdoch, the celestial café, não teve carteiro não teve carta, só um autografo impessoal para as pessoas que compraram no mesmo final de semana que eu. não ligo, e nem ligo pra tinta do autografo que veio de tão distante. ligo pra conhecer a forma de escrever de um cara que faz parte de uma banda que escreveu grande parte da trilha sonora de minha vida. de um cara que me faz acordar feliz ouvindo sua voz saindo da caixa de som.

    enfim, desculpa esse comentário virou quase um post meu, e fugi mto do teu texto... fique a vontade para apagar se quiser.. rsrs acho que eh o tempo que tenho sem postar nada, devo estar carente de escrever...

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  5. Que neura! Pode comentar. É isso mesmo que é gostoso: relacionar o mundo internético com o real.

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