28 de dezembro de 2010

Carta aos escritores

Pensadores,

vós que não estais neste mundo por acaso e nem compartilhais deste ar que eu inalo por motivos puramente biológicos. Vós que tendes sempre a preocupação de ocupar folhas e folhas com explicações lógicas - ou não -, belas - ou não -, mas sempre - sempre! - explicações impressivas sobre a vida ao vosso redor. Vós que dedicais momentos de vosso tempo a fim de ornamentar a vida com vossas palavras - e as palavras com a vida - de modo que tudo pareça mais bonito, mais triste, mais real ou que simplesmente torne-se outra coisa. E que continueis exercendo esse trabalho de tal forma que esses breves momentos de comunicação possam ser inteiramente aproveitados e deles extraído o máximo possível.
Depois de tal explicação sobre minha impressão sobre vosso - e por que não 'nosso'? - trabalho, peço-vos somente uma coisa, dessa vez como leitora. Peço-vos que toda vez que um elogio vos for dirigido, que este seja imediatamente direcionado às vossas pessoas como escritor, quanto à obra que se foi lida, e não às vossas pessoas como vossas pessoas. Não sei se fui clara o necessário, mas o apelo aqui vos feito é quanto ao ato de aumentar-se em relação à sua própria obra. Peço-vos que estejam sempre no mesmo - ou abaixo, no máximo - do nível daquilo que mostrais pensar, isso porque, caso contrário, vós pareceis incompetentes ou pior: mostrais aos leitores o quão incompetentes vós achais que eles são. Talvez nesse colocar-se acima da obra e dos leitores esteja o fiasco dos livros didáticos. Por fim, que fique claro que minha queixa não é mais do que uma súplica, já que não o pode ser.

Sinceramente,
da leitora (escritora), Mari.

Sentimento sintético

O homem tolo me disse "eu te amo!"
através das palavras escapadas da sua cara de drama
como se houvesse noticiado algo espantador.
De toda a situação eu ri, sem sorrir.
Ri do que traziam, as palavras, na mão.
O homem tolo me disse "eu te amo... mais que tudo."
como se diria naquelas infames novelas
que ele deve assistir nas suas tardes patéticas
sentado no seu sofá patético com um sorriso na cara
de quem não conhece a tristeza, que se deve aos que pensam.
O homem tolopatético de sentimento sintético,
ele disse "eu te amo mais que tudo no mundo inteiro."
ah, mas que tolo é este que consegue
aumentar a frase e diminuir o amor?
Ri diminuindo-o aos meus pés; que bobagem
ele sempre esteve lá, então
virou menino, menino tolopatético de sentimento sintético
E disse "eu te amo mais que tudo e me ponho aos seus pés"
Menino tolo... tolotelepático de sentimento estático
que me faz agora doer o braço e a caneta pedir pra parar
Foi esse meninohomem que gritou "Eu te amo."
E não há nada que se possa fazer. "Nada."
Não há para onde fugir. "Eu iria atrás."
Não há como esconder... "O quê?"
Que o menino tolopatético telepático me fez escrever pra ele
mais uma vez.

26 de dezembro de 2010

Namorada Capitalista

Os aneis que tu me destes eram vidro e se quebraram.
Portanto, o amor que eu te tinha era pouco e se acabou.

25 de dezembro de 2010

Ensolarado

Nosso nobre protagonista
de nomes mil, mas findos
dos pensamentos mais lindos
que pode um somente homem ter.

O ser que não se deixava brilhar
mas que tinha uma brancura
bem comum em tal localidade dura
e que o vinha às vezes afligir.

Num súbito momento de lucidez
o homem quis deixar o escuro
viu atrás de si um muro
viu a coragem e o sol logo acima

E viu um povo inteiro dizendo pra voltar
Porque o sol queimaria sua pele - e queimou
Porque o sol machucaria seus olhos - e machucou
Porque o calor tomaria seu corpo - e tomou

Mas aguentou aquilo uma tarde toda
E aguentou os gritos da multidão
E no fim da tarde, ao chão
pôde ver sua sombra de homem

Uma sombra enorme de homem.
Uma sombra de um homem enorme.

23 de dezembro de 2010

Exercício vocacional

Primeiras palavras, família e o pensamento mais fofo do mundo. Puro Hobby. Aquelas tardes na casa da vó, brincando por horas com o Fufo(Confúcio), a vontade de ter um só pra mim ditaram Veterinária.
Descobertas e, dentre elas, a disposição das coisas no mundo e na sociedade. Dona de restaurante, dona de hotel, detetive, policial, ainda veterinária, musicista, cientista, médica PS, professora, advogada, juíza, engenheira. Descobre-se que animais sofrem mais do que se esperava e que disponibilizar amor pra eles era o desejo. Veterinária fora.
Então, percebe-se que não se pode fazer tudo e nota-se que as coisas envolvem cursos e têm nomes e são realizadas desde sempre em vários lugares por várias pessoas. 'Ainda tem seis, cinco anos. Até lá refinar-se-á.' Vêm os maduros: Jornalismo, Psicologia e Psiquiatria.
Grudaram-se novos gostos ao ser. Agora só três anos. Um monte de paixões avassaladoras, algumas não-exploradas. Algumas incertas, platônicas. Ainda Jornalismo, ainda Psicologia, Psiquiatria entra em questionamento, Artes Cênicas, Letras, Cinema.

[...]

21 de dezembro de 2010

Criatura

-Você tá falando!
-...
-Você não devia... não devia tá falando...
-Mas eu tô.
-Não tá... você tá...
-É minha voz, não?
-Eu tô imaginando!
-E o som tá saindo de onde?
-Da sua boca, mas...
-Viu?
-Mas você tá bem ali deitado.
-Quem disse?
-Eu tô vendo! Você não tá aqui!
-Mas você tá me vendo também.
-Então, aquela bala...
-Cênica.
-Como? Você tá sangrando! Não pode...
-Balas cênicas machucam.
-É, mas só... personagens! Vo-você tá aqui porque atemporal, você ainda não.. você...
-Na sua cabeça.
-Criação minha?
-Quase inteiramente.

PS.: Acabei de sonhar com isso TAMBÉM. Sonho completamente teatral. Dessa vez sou eu dialogando com o Porto. Vai entender...

Pequenos

Eles se empilham no palco.
-O que os pequenos são? - eu pergunto
-Eles atuam. - responde bravo
-Ok, o que os atores são?
-Pequenos. - ele sorri
-Ah, o que são os pequenos atores?
-Assiste. - ele sorri novamente olhando pra cena

PS.: Acabei de sonhar com essa cena. O 'ele' é o Pedro e os pequenos atores são o Jujubinhas. haha

20 de dezembro de 2010

Destinatário

Mandara uma carta a seu avô, orgulhosíssimo pelo feito. Escrevera cautelosamente, selecionando palavras. Seu avô morava longe, ele não sabia exatamente onde, mas era longe.
Levou a carta ao correio mais próximo. De peito estufado, levara-a feito um campeão que ostenta sua medalha. Virava cada esquina sorrindo para todos e andava com passos largos e animados. Chegou ao correio, deu a última olhada na carta e colocou-a carinhosamente no buraco da caixa. Como se fosse uma despedida, olhava a caixa, imaginando a carta sendo levada e seu avô a recebendo. Novamente um sorriso veio ao seu rosto e o garoto foi-se ainda muito orgulhoso. Passavam-se dias e o jovem passava horas pensando naquela carta; “Ah, que orgulho”! Aquela carta que escrevera tão cautelosamente, aquela que colocara na caixa do correio como se colocasse um bebê para dormir. Aquela carta chegaria às mãos de seu avô...
Mais dias se passavam e ele ficava a espera da resposta. Às vezes até assustava o carteiro com sua ansiedade, mas era em vão. Semanas se passaram duras e demoradamente e a carta não chegava. E quanto ao “Espero resposta”? Seu avô o deixaria na mão? Até que, finalmente, a tão esperada carta chegou. A ansiedade era tamanha que o garoto sequer olhou o envelope. Desesperadamente o rasgou, ansioso pelo que seu avô escrevera. Mas a surpresa foi outra. A carta era de sua tia, convidando-o para o funeral de seu destinatário.


PS.: Pense num texto antigo.

17 de dezembro de 2010

Todos os motivos VII

Meu modo é o avesso do avesso da ironia. A tua compreensão é vasta, me decifras tão facilmente. Ainda assim não te decifras. Ainda assim, tens vontades contraditórias das quais gosto, como as das vezes que me olhas confuso (mais pra si do que pra mim). Todos os dias, me agarras a alma, me ofereces a palma e me acalmas numa doçura tão dura, vivaz de quem vê a verdade, real. E todos os dias viras pensamento, viras cogitação e viras-te pra mim num sorriso como o de quem sabe tudo o que há pra se saber de mim.
Há problemas que trazem prazeres, problemas que substituem coisas que faltam. Deixam de ser problemas. Há momentos que ouso dizer - e volto a dizer - que eu e você somente, num plano único de duas faces seríamos nós. Esses momentos acabam com o tocar do telefone ou cada vez que a janela do msn chama e não é tu. Notar a utopia que é isso tudo doi. E quanto maior a dor, maior a quantidade de endorfina que vem a seguir.

12 de dezembro de 2010

Sapato Novo

-E aí, tudo bem?

-Bem, como vai você?
(Levo assim, calado, de lado do que sonhei um dia como se a alegria recolhesse a mão pra não me alcançar. Poderia até pensar que foi tudo sonho. Ponho meu sapato novo e vou passear, sozinho, como der, eu vou até a beira.)

-Tem certeza? Você tá com uma carinha...

-Besteira qualquer, nem choro mais. Só levo a saudade(, morena,) e é tudo o que vale a pena.

6 de dezembro de 2010

Eu te amo mais do que amo

Foi-se estreitando a nossa relação à medida que crescia.
O inferno são os outros.
De qualquer forma, não tem mais espaço pra mim aqui.

Pra minha beleza diferente
que uns diriam quase-feia

Minha inteligência diferente
que uns diriam quase-burra

Minha simpatia diferente
que uns diriam quase-chata

Minha música fora da lei
foi presa

Não tem espaço pra uma pessoa inteira
complexa
viva.

É hora de te deixar ir,
mesmo que tu voltes depois de um tempo.
Mesmo que seja momentâneo,
é hora de me deixares ir.

Embora eu não queira.
Embora sejas minha maior fonte de afeto.
Embora eu te ame,

é hora de te deixar ir
e eu não vou deixar.

2 de dezembro de 2010

Vácuo

Quase a ponto de implodir com pressão por todo lado. As vísceras vão sendo esmagadas entre a pele e os ossos. O cérebro se desfaz. É só uma ilusão passageira, uma impressão que se sente na pele e que - espero - vai embora cedo. Até amanhã sara. Até casar sara. A pressão faz doer os ouvidos, vinda de todos os lados possíveis. Lá fora tem pouco. Ainda assim, implodo. Aqui dentro tem nada.

1 de dezembro de 2010

Bem-me-leve

perfume atrás da orelha
vestido bem vestido
um sorriso no rosto
um punhado de amigos
que é pra,
se acaso eu te encontrar um dia,
tu ver como eu ainda tô bonita [Apanhador Só]