1 de dezembro de 2012

Senhor, piedade!

Ao levantar os olhos à santa imagem
em clamor mudo e desesperado
não se apiede dos vivos,
vagando por aí mesquinhos
chorando suas mazelas pulsantes
suas sanguinolentas batalhas,
deglutindo partes do próprio corpo
mastigando e mastigando
triturando os outros e a si mesmo;
dos vivos que podem sorrir
e, avarentos, não o fazem
ou dos que escolhem morrer
e, avarentos, o fazem
:
se apiede dos mortos,
esquecidos, inventados
e sem direito à ação.

Orbitando

Fui à órbita alta
onde não chega o astronauta
e das vistas sobrenaturais
distribui o que eu achei
que todo mundo deveria ter.

Eu não te quero.

Dos amores, o menos egoísta
mero empréstimo de corpo
que até goza dar-se ao
pretensioso e distante amor
de quem não quero saber de mim.

Mim.
(quem sou aqui tão longe?)
Eu não te quero pra mim.

Eu te quero
feliz

28 de novembro de 2012

Em lances


Lembro dela entrando
de todos os meus olhos elegendo-a
eriçando todas as minhas percepções
O lugar cheio, propício à plateia
transformou-a na única coisa que faltava
e ela entrou.

Não concebo a viagem:
ela era oferta do presente a mim
desabando desenhoanimadamente
na minha frente

E eu vi lá embaixo na escada
quando ela ganhou o salão
encontrou alguém, sorriu aliviada
e, com um beijo,
pôs toda a história no encaixe.

25 de outubro de 2012

Dos dois

Mãos calejadas e maxilar recortado
de trabalhar
na luta pouco aceita
a mandíbula que se reteve
e a graça numa curva do lábio
vermelho batom
das bochechas, saem-lhe fios
-que absurdo!
mas achava viril
-ao menos esconda!
mas achava viril
-raspe! corte! finja!

As unhas sem cor
(não era mulher vaidosa)
e quando olhava no espelho
não sentia pressão
por qualquer coisa que fosse
mas por achar bela
a combinação proibida
de fortes braços e sexo
e delicado gestuário a manipulá-los.

24 de outubro de 2012

Bela

Bárbara
não tardará

com brisa de novo amor
tomando a barba minha (em parte)
a palavra tua da mesa de bar
barbaridade conosco seria, mas
raridade é esta Bárbara!
ainda que fosse bárbara qualquer
seria brutal vê-lo bobo, babando
por Bárbara.
Basta!
Balbucio baixo: boa Bárbara,
gosto de ti mesmo sem poder.
Brado: boa bárbara,
venha depressa
bote pra bater coração,
baile
beije
é banal fingir:
beije!

bárbara
não tardará.

Calopsia

Tenho crença em mim:
e alimento a capacidade de amor
assim assim
mesmo assim
não é nada meu.
te vendo de lado, de longe
suas feições versus cenário
têm beleza todas as linhas
quando imitam suas linhas
e todas as cores nascem
da paleta da sua pele.

Me convenci:
é melhor o otimismo
que não.

27 de setembro de 2012

Ver a cidade

Verde lado da cidade vs.
Ver de lado a cidade
(o olhar periférico)
Mas concentremos no centro
concentra, concêntrico
com, sem - entremos
Conheceremos sermos
o excêntrico e o tempo
o ente e o tempo
o entretempo, o contratempo
e o centro do ponteiro
do tempo (sempre o tempo!).
Conheceremos sermos
histérico espectro
de vivacidade.
Ah... e viva a cidade!

12 de setembro de 2012

Ode à dureza


O lugar do que conto é o tempo
são ponteiros as paredes da existência.
É porque já, pra vida, sempre pudor
e pra outras coisas, reserva-se cor e tamanho.
De cá onde eu caibo, a fuga,
a procura por dias menos metrados,
por sublimes momentos só de carinho
e pela súbita e natural separação.

Cansei de justificar meu pisar,
o arrazoado me leva cada vez mais longe.

Serpenteio, então, no meio da rigidez
centrada e sensível, apesar da fadiga
por ser contrária à regra desse lugar
e viver do que eles chamam de morte,
feneço entre o ceder e a descrença
incerta como, no desenho, um rabisco;
me olham as frestas nas quais ajo,
e porque elas ternas, eu sem remorso.

PS.: Sei lá, texto bosta feito pra aula de português, mas só pra não dizer que não postei no blogzinho uhu

Soma tudo e divide por dois


    Eu era ainda menina na escola quando estabeleci minha amizade com Linda. Era de uma quietude confortável porque não esperávamos nada uma da outra. Muitos se enganam desmerecendo as ambições infantis. Mesmo as que corriam à nossa volta queriam, das outras crianças, ganhar rir, mexer-lhes nos cabelos, rolar sobre a areia. E correr. Eu aceitava dela um pedaço do sanduíche. Ela, um gole do meu suco. E só.
    Conversávamos bastante. No entanto, às vezes, como quem nada diz. "Tenho dentista à tarde", eu informei. "Morro de medo e você?" Com orgulho, respondi "Nem mesmo hesito ao ir." e sorríamos sem nos espantar. Ela nunca era novidade: Linda era como uma extensão alourada e miúda de mim.
    Não que não fôssemos crianças comuns, de modo que brincávamos, brigávamos - nunca entre nós-, fazíamos as lições, errávamos os exercícios e vibrávamos com os esportes no pátio. E corríamos. Nossa unidade serena era do tipo que algumas pessoas passam a vida sonhando em ter e parecem procurar em todo lugar, exceto numa escolinha provincial, no meio de duas menininhas, apagadas e inocentes.
    Depois de um intervalo que passei sem ver Linda, ela entrou atrasada na sala, com o rosto vermelho e molhado de dar dó, alcançando um nível novo de pureza, agora frágil. Ela se sentava na minha frente e eu mal levantei os olhos à chegada polêmica. A professora, ocupada com o outro lado da classe, não notara nem tampouco a maioria dos alunos. A aula prosseguia normalmente.
    Os colegas próximos a nós que, não por coincidência, eram-nos os mais afetuosos, miraram-na curiosos e lhe ofertaram uma tonelada de perguntas doces e docemente inquisitivas. Ela se mantinha calada, familiar ao silêncio como eu sabia que era. Muda sem desespero. Mas triste. Os olhinhos preocupados dos outros voltavam-se, então, a mim, indecisos e sem entender se as lágrimas separavam Linda de mim ou se ainda eu poderia lhes amansar a curiosidade. Eu acenava tranquilamente, com todos os meus seis anos, mesmo sem saber o que a fazia chorar com mais precisão do que os outros. Me punha, dessa forma, no controle.
    De Linda eu só via os fios louros e Linda não me via (por quê chorava não caberá a este texto revelar. Caso encontrasse Linda hoje, ela talvez risse de tanta desimportância. Acho que tudo isso foi por demais irrelevante e decisivo, como são os acontecimentos dessa remota infância) e, embora não me visse, quando a toquei no ombro - nada perguntaria, só o toque já iria dizer - ela já olhava pra mim. Me flagrara o movimento ou antecipara-o? Os olhinhos úmidos agradeceram e, com os mistérios de si, questionaram-me graves: "Vai dar tudo certo?", me flagrando e antecipando agora o consolo clichê.
    E, bom, deu.

11 de setembro de 2012

Bruto

    Não saberia dizer a qual frequência os dois haviam se adaptado. Fossem eles números, seriam x (talvez ela pudesse fazer uma estimativa dele, em função da própria imaginação, mas) e y a essas duas incógnitas, não saberia atribuir um divisor comum. Não que fosse adepta dos números (as metáforas são todas minhas). Tampouco o era das palavras e, por isso, se contentava com essa ausência de frases explicativas. O kitsch dos relacionamentos pedia os verbos, determinava que se dissesse o que é e o que significa o espaço ou a falta de espaço entre duas pessoas, mas o que faria ela se nada sabia dizer que fosse análise e o que dizia era sempre parte do contexto. Destes tantos, o exemplo do espaço lhe vestia melhor: era um ser físico.
    A primeira vez que K... roubou o vão entre os dois foi simples como um conduzí-la pela cintura, o que tinha, como objetivo declarado, levá-la à sala do chefe do escritório, para uma conversa breve. Ela ainda nova, embora velha pra descoberta, em casa postou-se frente à sua imagem refletida e, nua, achou-se de uma brutalidade bela; seus seios eram muito fortes para as mãos amáveis de um homem. Por ser livre das pré-concepções que se fazem de tanta frase calcificada, misturaram-se os dois gêneros com harmonia, e ela perguntando-se cínica qual era mesmo a diferença. Devota dos sólidos que era, achou que poderia andar na rua exibindo os dois peitos feito fazem os homens nos verões. Achou que poderia até acariciar o tórax e, somando e não ignorando a presença dos dois balançantes protetores, franzir a testa e olhar outros corpos. Sentiu-se triste por nunca tê-lo pensado antes.
    Nos cumprimentos matinais , vendo o rosto sempre calmo de K..., sentiu raiva por ele tê-la feito mulherzinha num toque tão casual. Sentiu sua virilidade invadida, fora traída por seu próprio corpo que desmantelava se dando a ele. Decidida a ser de si somente, no entanto, foi que aceitou o primeiro convite dele para tomarem alguma coisa. Se era sua própria dona, não tinha porque temer as mãos quentes dele por perto. Era um desafio pro corpo traíra. Aceitou, depois, o segundo convite, o terceiro, o quarto...
    Um dia, ele se muniu de coragem para convidá-la a pertencer oficialmente a ele e ele, pela lógica, a ela, num desses acordos verbais. Ela se ofendeu, bradou que não com repulsa e, à noite, foi perguntar ao corpo. Tocou a barriga, cuja foto cheia de luz com uma pontinha de umbigo-breu, já conhecia bem. Viajou questionando os seios-armadura. Virou o pescoço exibindo o esternocleidomastóideo pro escuro e encontrou, enfim, o mamilo. Seu corpo enrijeceu: o mamilo era uma ofensa, feita em botãozinho avermelhado. Nem botão nem vermelho. Tudo diminutivo e sutil, quanta ousadia! O mamilo era a prova de que pertencia a K..., ela nem sabia como. Era a constatação de que, se não iria, uma criança pelo menos deveria um dia depender dela por aquela extremidade delicada do forte peitoril que aceitara como de amazona. O mamilo era um deboche.
    E, nesse movimento, viu o deboche em tudo o que K... fazia: quando lhe puxava pela cintura, lhe afastava os cabelos e se espreitava-lhe os gestos duros, apoderando-se deles para imitá-la e argumentava a favor da igualdade dos papeis dos dois na relação, quando, por isso, ela batia nele e ele ria ou quando disputavam forças e ela perdia humilhada, com os braços presos e o pescoço devorado. Era tudo um deboche.
    Tomou-lhe a vergonha. Gostaria que fosse tirada dele toda atração física que sentia por ela, mas não sabia onde a guardava para arrancá-la ela mesma. Estavam os dois num ringue, ambos igualmente descamisados. A briga não exigia que batesse nele, isso já fizera, mas que ele, por sua vez, quebrasse seu nariz, lhe deixasse hematomas nos olhos e, assim, insultasse sua força. Nunca exigia um deboche. Nunca esse riso que ecoava, deixando-o maior.
    Ele se aproximou violento, tocou seu seio com carinho, ironizando a sensibilidade do bico delicado, o que lançou nela uma dor num lugar novo. Nesse lugar, que desenhou no peito, mas podia não sê-lo, o seio era mais arma que escudo e o corpo, mais corpo e menos símbolo.
    Acordou e ligou pra ele. Queria o consolo de dar a ele o colo pelo sonho-insulto que tivera. Ele que soluçasse pelo pesadelo dela! Decerto o acalmaria.

7 de setembro de 2012

Dois tempos

São tantos fogos, por quê?
estourando no céu cotidiano
longínquos anos novos já velhos
e eu dentro de casa
e a casa dentro de agora
a luz fazendo um inquérito
que os olhos respondem cansados.
as resoluções do último reveillon
não mais convêm
se realizamos alguma coisa?
Nada.

4 de setembro de 2012

Arte

A mim não bastaria
o esforço de fazer feliz
não fosse doença contagiosa
a felicidade
não fosse a poesia e a prosa
e a liberdade

A mim não bastaria
pinturas à semiótica
não fosse o olho de carne
e sensibilidade
se sem poesia e sem prosa
e sem verdade

31 de agosto de 2012

Dedicatória

ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ

"Para que não passemos,
o livro pelas estantes,
tanta percepção humana,
a escrita sensível e honesta
e eu, pela sua vida,
em branco.

Mari
ago/2012"

28 de agosto de 2012

A gentileza em doses crescentes,
crueis simuladoras de sentimentos
maquiando de espontaneidade.
Exige-se que gostem de si.

22 de agosto de 2012

Uma paisagem infértil

Rasga as vias aéreas o ar preto
Topa em todas as ranhuras e doi
Não tem água em São Paulo
e meus olhos tampouco chovem.

O céu faz-se azul de ironia
Não desagua e nem assim pretende
Ficamos cá esperando molhar
Vamo, chove! Chove!

Não importa a cor comprada:
todos os carros são marrons
as pessoas se ressecaram
e a garoa bairrista não veio.

Desfacelam-se os amores urbanos
Sem saliva sexo suor sinapse
olhos secos, a garganta sussurra
Chove, chove, vai, chove!

Venha a chuva do céu depressa
lavar-nos das histórias antigas
tirar-nos as crostas das distrações
fazendo ver claro o que é de se ver.

19 de agosto de 2012

Personagem

Pelo menos Clarice tinha uma esquina, uma menina, uma nordestina a quem só faltava dar-lhe a sina.

Eu nem sei quem é que procuro, porque não tem rosto nem vida. Hei de criá-lo, não como filho, sem carinho, sem censura. Devo matá-lo, devo odiá-lo? Preciso que se adeque à história, que seja favorável aos meus argumentos, talvez por ser antônimo ou sendo meu herói, mas se o for que não seja eu! Que passe longe de mim! Não sei o que fazer, mas sei que agora ele ri de mim, deitado no meu ombro direito, rindo, rindo muito... é homem, é um menino. Talvez nem seja lá muito bem-humorado, mas como é engraçado que eu o procure e ele esteja bem aqui. Tento fazê-lo longe de ser heroi, mas já se lhe alouram os cabelos. Tento que seja experiente, mas é um menino e já o vejo levantar uma bandeira em frente a uma multidão, quando o queria fraco. Que adianta querer? Personagens fazem o que querem com seus autores.

16 de agosto de 2012

A mulher

Tem a santidade de mãe simples
e alegria ressentida em viver
o seu depoimento genérico faz dela
a mulher mais forte que eu já vi.

Não se nota se é bonita ou gentil
só nos diz ser mãe-órfã de filho
(moço companheiro, dela arrancado)
da mulher mais forte que eu já vi.

A bondade que se lhe encerra satisfaz
Não julga as putas senão com "Cuidado!"
Deitamos no colo leiteiro, nos braços
da mulher mais forte que eu já vi.

Agora que os anos lhe chegam ao rosto
E o filho, há muito tempo ido
resta uma pergunta incomodando
a mulher mais forte que eu já vi.

Uma pergunta que nenhum outro ousou
E que a faz, ao menos, mais forte que eu
que aponto a fraqueza dos que creem
como a mulher mais forte que eu já vi.

Ela pergunta "Deus, por que meu menino?"
assim, com desgosto, ferida, traída
tem o luxo de odiar seu próprio divino
a mulher mais forte que eu já vi.

12 de agosto de 2012

Kika Canibal

Kika quando uniu-se em sagrado matrimônio
ganhou, do homem, as juras e o nome
Wellington Canibal ganhou a crueldade da alcunha
de ser vil com o machado contra a carne dos bois

Kika Canibal ia à igreja todo dia
o que enchia a alma bruta de Wellington de alegria
Cabia à moça, pelos deveres do casamento,
expurgar os pecados do marido violento.

E se Kika, de bom grado, se fazia a salvação
Era de ver no amado o que tinha lá no peito
A maldade escondida, convertida desse jeito:
O pudor é a pior forma da perversão.

Kika Canibal crente, crua, pura
apesar de tudo santo, só condenava o adultério
podia morte, podia vida, podia roubo
podia mandar um querido pro cemitério.

Wellington escolheu a dedo o pecado
e de uma moça da cidade, ficou enamorado
Kika descobriu e, como disse que faria
Foi atrás, pegar no flagra a maldita putaria

De batom vermelho e empunhando nome
Designou, pra barriga do marido, um punhal
E guardou pra mulher sua fome
quando lhe arrancou a orelha com os dentes
Kika Canibal

10 de agosto de 2012

Arritimia

Os olhos nunca dão o braço a torcer
e se se expõem, as bocas diminuem-nos a risos.
Os peitos voltados a lados opostos.
Os passos não são múltiplos uns dos outros
(não coincidem nunca daqui até o infinito)
Às cabeças fogem os momentos certos:
quando um pensa no outro, este não se encontra
e se se encontram, se perdem mais uma vez.

É uma imagem realmente curiosa
que só não é bonita porque é um mistério
como dois corpos se puseram assim
de costas, distantes, estranhos
e sem ousarem admitir em palavras
tranquilos, tímidos e sem motivos
furtivos
dão as mãos.

Too dirty to

Reality can do me no harm
It doesn't even reach me
I'm stuck in a underestimated
overcreative, free and horrible mind,
watching it all and claiming it normal
not offering the world any reaction
Still.
Safe.

I am immune to weirdness,
my mind is a freakshow.

8 de agosto de 2012

Pra fora

Preciso vomitar o peito
Se não agora, em poucos minutos
Das formas que há, que seja estomacal
Bruto, nojento, dolorido
Dispenso o milagre da lágrima
E a prática arte catártica
Espero e forço as entranhas
Há de ser fisiológico e ter mau gosto
A alma temperada com nada
recheada da dor de ser.

Sublime

O sublime vive me escapando:
Teço ensolarados dias com descrições parnasianas
e os olhinhos encantados que os contemplam
e quando cai a noite
o tempo fecha
os olhos fecham
e meu coração se fecha junto.

1 de agosto de 2012

História de amor

E agora?
Multiplicar a saudade.
Fazer, do encontro, evento.
Lotar os silêncios desajeitados
de riso, calma e sentimento.
O sorvete vira banquete.
No céu, uns cavalos alados.
E a noite de São Paulo, amarela
agora se faz à luz de velas.

Tiro tudo o que é pequeno e profundo:
beijo roubado e Machado num marcador,
pra poder contar pra todo mundo
uma suposta linda história de amor 

Pra fazê-los suspirar
Pra fazer-nos rir
E pra eternizar nas entrelinhas 
a história que contarei aqui:
uma história dessas infames
das pequenas e banais
das tranquilas e reais:
Eu. Você. E nada mais.

30 de julho de 2012

Writer

"I tell people I'm a writer
But what I mean to say is
I want to do big things
but all I have are these stupid words."

PS.: Não é meu. Achei na internet, sem assinatura.

29 de julho de 2012

Causadores

   Em ambientes frequentados por jovens, tais como escolas, clubes e ruas, não é raro encontrar demonstrações de violência física e moral de uns para com outros. As vítimas são crianças e adolescentes pouco aceitos em seu meio, com características diferentes da maioria e, portanto, inseguros. A especialista Rosalind Wiseman, em entrevista à Veja, falou sobre essa prática conhecida como Bullying e sobre a responsabilidade que têm a escola, os pais e os participantes.
   Mesmo Rosalind, especialista no assunto e combatente do bullying, admite que naturalmente há, no ser humano, o impulso de se sobrepor ao outro, criando uma hierarquia a partir da diminuição do seu, por assim dizer, oponente. A escolha deste é fácil: num ambiente competitivo e hostil, a vítima acaba sendo o jovem mais acatado, menos ofensivo e, por vezes, mais inseguro. Falta aos especialistas notar, também nos agressores, a insegurança necessária para se acreditar que a aceitação de alguém num grupo é proporcional à sua agressividade.
   Fato é que o mundo adolescente é, em geral, carente de segurança; não porque haja algo errado e inesperado acontecendo com a geração presente, mas porque essa idade é caracterizada pelo abandono dos valores dos pais e pela lapidação dos próprios valores. Jogados nessa incerteza, os jovens apelam para o maniqueísmo, determinando 'certos' e negando com veemência tudo aquilo que é 'errado'. Se não feito com violência, esse processo pode ser realmente saudável, embora dificilmente venha a ser calmo.
   As justificativas puramente hormonais e biológicas param por aí: o bullying tem piorado e acarretado consequências mais sérias nos últimos tempos. Como dito por Rosalind, as escolas, principais lugares onde o bullying acontece, não se envolvem até que alguém saia machucado, ignorando o fato de que as piores agressões acontecem em silêncio, sem que ninguém possa ver fisicamente e mantêm-se por bem mais tempo do que uma cicatrização demora. As escolas não admitem seu papel de ambiente social dos jovens e, portanto, de formadores sociais e, enquanto deveriam propor ideias de colaboração e respeito, se abstêm ou pior: incitam a competitividade desenfrada.
   Os pais dessa geração, mais liberais e companheiros de seus filhos, munem-se dos seus próprios preconceitos e intolerâncias e depositam-nos nos filhos que, quando em meio jovem, livres do contrato social adulto e em criação de seus próprios, expressam-nos da forma que encontram. Os pais que deveriam oferecer diálogo e experiência e, em troca, estarem abertos à chegada de novas ideias, repassam a velha noção de que vence quem derrota o outro.
   Não vale a pena apontar culpados: passaríamos da criança que não tem discernimento, do pai intolerante, da escola que se abstem para atingir graus mais altos de uma sociedade, percebendo que a maioria dos conceitos que regem as pessoas hoje em dia baseiam-se na polarização de um vencedor e de um perdedor, ou seja, na competição; em saber quem tem a razão, quem está mais certo, mais errado ou bate mais forte. A violência nunca será extinta, mas nos cabe perceber quando ela é gratuita e letal para os dois lados do embate.
    Quando se trata do bullying e de uma ambiente tão intenso e livre, deve-se exercitar a tolerância de forma que não finjamos que a violência não existe ou é inútil, mas para que notemos que as diferenças inofensivas entre as pessoas não devem ser tratadas dessa forma. É preciso haver diálogo tanto com o causador como com a vítima, para que sejam esclarecidos, conheçam suas razões de agir e, enfim, sintam-se razoavelmente  confortáveis num mundo que vai lhes cobrar tranquilidade e tolerância para um funcionamento pacífico.

PS.: Redação que eu fiz, nesse semestre passado, para a aula de história.

23 de julho de 2012

Outra vida

Paisagens intermináveis.
Músicas não-catalogadas
Beijos fora de hora e lugar
Alegre encontro casual

E um suspiro, um respiro, um retiro...

Só que eu só sei fazer versinhos.

20 de julho de 2012

Doze pessoas

doze pessoas que agrupei assim
1 família de pai, mãe, filho, filha
1 dupla de amigos vestidos de morcego
2 casais apaixonados
1 casal não tão apaixonado

doze pessoas que viram trailer e tinham ingressos
saíram de suas grandes casas em denver
Só a dupla de amigos se importava mesmo:
os casais beijavam e riram com os barulhos
a família tinha um jantar com os avós mais tarde.

Não era um momento especial (antes fosse!)
com todas as cerimônias que a morte deve oferecer
mas nunca oferece.
Porque a morte é um momento especial.
A morte é o clímax da vida.

Mais de doze pipocas jogadas no chão
cocas-colas, corpos frios no abafado da sala
conhecida por ser a melhor sala de Colorado
a imagem em alta definição (que não parou)
o som perfeito fazia os tiros quase reais (e disparou)

doze pessoas
não viram o final do filme.

19 de julho de 2012

Ai, eu dava tudo

Ai, eu dava tudo pra ter só pra mim
Um dos finais reticentes,
assombrosos e maravilhosos
dos seus bons tempos de escrever.

Ai, eu dava tudo pra ser o meu sorriso
que te fazia perder uns versos e tempos,
que fazia valer a pena a dor e o resto 
pra fazer sorriso brotar em você também.

Ai, eu dava tudo pelo seus gritos que
querem alardear, embora com razão.
Dava tudo pra ser a tal de quem,
em segredo, você quer atenção.

Ai, eu dava tudo pra que um dia
fossem gêmeas nossas consciências
falassem numa mesma língua e ritmo
mas com opiniões divergentes.

Ai, eu dava tudo pra você voltar a ser
ou pr'eu voltar no tempo e ir aí
Feito seu eu-lírico faz,
eu dava tudo pra você existir.

Ai, eu dava tudo se, em troca,
ganhasse um beijo e a promessa
de que na sua grandiosa eternidade
você pensaria em mim só um minuto.

("Ai, eu dava tudo, o meu violão
eu dava tudo pra visitar teu coração" mm)


17 de julho de 2012

Em segredo

   A noite chega e, prensando os pensamentos contra as horas que lhe restam pra dormir, surge ainda pequenina a ideia óbvia, lhe coçando. Ele corre afobado por entre suas velhas sinapses, tropeçando em conclusões já formadas e perguntas que deixou pra responder mais tarde e pulando imune à dor de sempre. Encontra, enfim, uma caixinha e por tocá-la, num grito estridente, se lembra da sua condição de corpo, de cama, de olhos abertos e só mais 5 horas para dormir. 
   A aventura já era o bastante para lhe envolver num sono pra só ser interrompido pelo alarme, de manhã, mas a tal da caixa perdera seu caráter de mero objeto representativo onírico para vestir-se de desafio intelectual. Consciente. Lá se foi mais uma vez nosso herói sonhante, de olhos fechados, se emaranhando e misturando em ideias que agora lhe pediam a atenção. Pôs os olhos nos noventa graus e chegou à caixa sem nenhum caminho, como fosse imaginação. Os berros da pergunta que se fazia dentro da caixa eram abafados e o alcançavam numa forma somente medonha, atravessando as paredes da caixa que pulsavam vermelhas revestidas de nervo inflamado. Todo toque era perigoso. Estendeu a mão em direção a ela e encostou um dedo somente, muito devagar. Não houve reação. Ao mínimo relaxar da mão tranquila sobre a caixa tensa, os poucos gramas a mais que ali se dispuseram causaram um grito rápido, rangido, agudo, que rasgou o moço até que o reflexo do braço se afastando o acalmasse e o som apitasse cada vez mais baixo, respirando um chiadinho ralo.
   Estranhou manter-se naquele lugar escuro e simbólico, que agora parecia tão palpável. Num só golpe, abriu a tampa da caixa. A dor o jogou longe, a aflição enviou sua língua rapidamente aos dentes da frente, procurando uma textura agradável que lhe tirasse a recente memória de mais um grito cortante. Ergueu-se da caixa um rastro luminoso que tocou o fundo do ambiente então preto e o tingiu, como tinta na água, de um cenário calmo. Em pouco tempo, configurou-se uma sossegada pracinha numa manhã quente. Nosso rapaz, antes jogado em infinito e indefinível chão preto, agora via-se na refrescante e verdinha grama. Estava em má posição: via copas de árvores tão verdes e carregadas de frutas e o céu azul. Ouvia, porém, uma sinfonia de calmarias e felicidades: crianças que corriam e gritavam, lá longe e um barulho sutil e claramente presente, de água em correnteza. Ficou lá não sei quanto tempo. Não havia tempo. Sentiu, então, que alguém lhe pegava nos braços, mas mais que seu pequeno corpo, todo aquele universo agradável, com cheiros doces e boas esperanças, recebia os baques dos passos daquele que o havia pegado. No ritmo dessas passadas, criou-se um embalo carinhoso, abrangente e gostoso... Ali, sem se perguntar como a noite virara dia e sem nem se perguntar nada, dormiu.
   Acordou antes do alarme e, de repente, sentiu pudor. Passou as mãos pelos lençois que esfriavam tão rapidamente depois de deixarem sua pele. Olhando pra luz acesa (havia a esquecido assim na noite passada?) lembrou-se dum alegre lustre em forma de Sol que seu pai lhe dera quando criança. Viu o teto, a parede e parou no vértice que junta três faces do cubo. Fechou os olhos e, calculando a distância deste para a mancha de luz nas pálpebras escuras, tocou com o dedo o canto, que de tão frágil e fundamental, parou de existir, fazendo-se em fendas que dividiam os pedaços de concreto. Aos poucos, eles se afastavam. Quando abriu os olhos, o quarto ainda estava lá.

14 de julho de 2012

Velhas palavras

Os cantos já amarelavam,
a datilografia à tinta vermelha-preta não
(que mentira, foi logo agora,
pouco tempo pr'essa falta de noção)

Danem-se os muitos assuntos,
eu quero o escritor
dos grandiosos versos e sentimentos
dos tormentos, mas do amor

Irregulares estrofes febris
brasis, sobre estes Brasis
bravas incrédulas putas
intuitivas estrofes senis

(Revelo o segredo da poesia:)
desfechos épico-adocicados
finais felizes mesmo, mas
porque apesar. Apesar do passado.

Quem diria que escreveria?
Quem diria que eu leria?
E lembraria agora, quem diria?
Ninguém dizia: era melhor escrever.

Lidos de acordo com o tempo, se vê
que as palavras vão sendo cortadas:
têm medo de querer dizer.
têm medo, mas medo de quê?

Te silenciou quem não te ouviu.
Quem foi? A Rita, a vida ou o coração
que, além de tudo, te deixou mudo
um violão?

9 de julho de 2012

Velhos palhaços

Não se fazem mais malandros arlequins bem-esculpidos
Permanecem os rijos maxilares em rostos reais
Brutos, truncos, fortes, mas de mãos suaves
que beijam sem violência os lábios mortais

Nos bailes agora se dança como se pode
Cansativa coreografia do cotidiano
As moças não choram nos cantos
estão de pé: são eles que choram.

Ouve-se uma triste melodia conformada
soando entre os cem tipos de motor
No centro desse cenário, o colorido
Arlequim (escondido) cambaleia galanteador

Que beijo profundo tem Arlequim
que às damas é tomado furtivamente.
nem mesmo se sabe quando se o beija:
o prazer é mais intenso que a mente.

Um segundo que se perde define
encontrar-se ou não nos braços dele
E ah, que braços são esses braços...
E ah, que beijos são esses beijos...

Pierrot, neste conto moderno
salva as moças da desesperança
promete-lhes ser amável e terno
num mundo que lhes dá tanta surra

Arlequim chora, sozinho e invisível
seus beijos são vazios sem boa boca
Beijos que eu, louca, até poderia...
(Ah, que beijos são esses beijos...que beijos?)

Mas Pierrot agora nada em alegrias
com a humildade dos apaixonados, pois
A poesia concreta de todos os dias
não permite mais que o amor seja os dois

Sem os belos sonhos de Pierrot
Ou os saborosos beijos de Arlequim
Colombinas desprovidas de amor
se contentam com um deles e fim.

2 de julho de 2012

Um monte de baboseiras sobre identificação

   A internet, como a vida real, tem um caráter global, do todo, que a arte, em geral, não carrega. É vê-los e  dizer "Olha que pena e que mágico, o mundo é diferente de mim" e daí tentar engolí-lo, por mais que seja duro de mastigar e pese no estômago.
   Das outras coisas de se fazer, conversar, música, ler, filmes, passear à toa buscam aquele encontrinho de alma. Aquele enconstar de coração e cabeça em coisas externas a si. Então, a gente ouve uma música que nunca ouviu antes e ela não nos conhece e nem nós a conhecemos, mas ela possui uma melodia, letra e arranjo tão de acordo com a gente (ela é abrasiva quando estamos violentos ou tristes e acalentadoras nos nossos dias mais tristes) que encostamos o peito nela e ela entra na gente e a gente entra nela. É um processo de interpenetração: não se diz quem está engolindo quem, porque os dois se engolem inteiros. Você dá sua humanidade em troca de ser um som também. Rezar também é identificar, quando te coloca parzinho com seu deus e ele fica sua mãe carinhosa, seu pai conselheiro e bravo, seu irmão apoiador e você se põe filho, aprendiz, companheiro e, às vezes, marido e mulher, nos dias mais solitários e sensuais.
   Uma convrsa com antecedentes: uma conversa que se estende por anos ou pela vida do que morrer primeiro (às vezes, até depois, porque rezar é reencontrar também.), que se sustenta sozinha e vai desenvolvendo seus próprios códigos e uma linguagem e dialetos e que se acrescenta a si dia-a-dia, às vezes por um milhão de palavras vomitadas e inéditas ou, às vezes, por um sussurrinho ou um olhar; numa conversa dessas é que se põe mente colada com mente e aí te permite dialogar e criar ua própria dialética com as sinapses do outro, afinando e calibrando pessoa com pessoa e discordando também.
   Sempre deixo o amor pro final (meus textos são uma conversa, me resta saber com quem falo: se comigo, com os outros ou se, não sei, com os tantos minzinhos que deixo morarem neles). O amor também pode ser sublime. E deve penetrar mente com/na/para com mente (mas "onde é que a alma entra nessa história?, afinal o amor é tão carnal"). Com penetrar, compenetrar e copenetrar,  que é quando um corpo aprende a circundar e envolver o outro corpo e lhe serve de capa, de teto e de armadura e (vejam só!) ao mesmo tempo o invade. As mãos, então, aprendem a agradecer com toques calmos, suaves, o animal - pedaço de carne, sangue e pensamentos - que luta pra lhe trazer prazer. O amor é a primeira das relações que vem pra  essa gentinha tão cheia de palavras e sugere que talvez o corpo e essa coisa que chamam de alma sejam a mesma coisa, tendo ao seu favor os argumentos de que a mente que criou a alma pertence a um cérebro, cujo funcionamento pessoal depende de um modo próprio que, se não fosse físico (proponho cá: até mesmo sendo físico) gostamos de chamar de nós.

30 de junho de 2012

Mainha,

   Me botaram no avião. Foi isso. Desculpa não te contar antes. A gente estava no meio daquela missão que te falei quando fomos avisados. De qualquer forma, eu não teria muito a dizer sobre nada e o que eu teria é breve e posso escrevê-lo. Sua falta, já sinto há meses de qualquer forma...
   Não gastarei o pouco tempo e tinta que tenho (agora, exatamente 12 minutos pra arrumar minhas coisas) pra dizer os meus achares sobre isso como um todo: está em toda parte, mãe. A guerra grande é incontrolável. Quanto à minha missão, é relativamente pacífica: eles nos disseram que o que temos de destruir são coisas e só. Olha que bênção! A menos que pessoas se ponham na frente das casas, não é minha obrigação tocar um dedo sequer nelas. Não sabemos direito como será a reação dos outros ainda. Não é bom como estar de volta, mas isso já nem há mais.
   Se tenho medo? Bastante. Tudo é incerto por aqui: os avisos não trazem avisos prévios, tem hora pra acordar e dormir e tem sempre o que fazer. Mesmo a mão tem sempre o que fazer: se não é pra trás, é pra frente ou na testa. E os pés estão sempre de acordo com elas: semi-abertos ou juntinhos. Tudo bem, estou reclamando porque não quero ir. É só isso. Tenho medo, mas passa.
    Bom, estou a salvo, comendo bem, com saudade da minha boa caminha e da sua comida. Mande meus cumprimentos ao pai. Tenho que sair correndo, pois já me chamam, mas separei um trecho de uma canção daqui: "Por mais terras que eu percorra, não permita Deus que eu morra sem que volte para lá" e ele não há de permitir. 

Te amo,
Guto.

29 de junho de 2012

Pétalas

Das mãos que acarinham a flor
as afiadas unhas que ferem a pétala
Com trejeito de loba que aninha,
arranca-a do solo para, então, cuidar

Seiva escorre do caule vivo,
O espinho fere também a mão que mata
Nos dedos, o sangue rosa faz (tanto faz)
tudo o que é natural ser um só.

Obscena obesidade vegetal
destroçada nos fortes dentes de trás
A vida devolvida pelo mordaz
carinho dos dentes da frente.

Porque tentam vorazmente ser um
mútua sombra uma faz à outra
Põem-se mãe que leva no braço forte
Na boca da outra, põem-se mulher

25 de junho de 2012

Throw up

It feels like throwing up
No no, it's worse:
it's the moment right before throwing up.
I've got a spinning-round head
Oh, yeah, it's quite late
and I'm not sure why I'm writing this
but my head is a mess
(why didn't I write this in portuguese?
then I wouldn't have to say 'right now')
My head is a mess (right now)
'cause it is (permanently) so damn organized.
I see it now (well, it's so clear):
lying sounds ok when it could be true
acting sounds ok if you have the right
pretending sounds ok when you could be feeling
Then if you don't, there's nothing you can do except
throw up it all.
When you hate the one thing you can't get rid of.
or 'cause you've seen to many homemade videos
and the handmovements have made you sick.
When it's late at night and you are lonely
again
and you write a fucking awful poem
which could be worse if not in some mask-language.
There's a smell you don't even like
It's so fucking sweet and fake.
Throw. up.
You just had a lot of food and chocolate cake.
Throw. up.
What are you doing with your life?
Sleep.
Just forever would be nice.
Give. up.

1 de junho de 2012

A sério

    Eu queria mesmo era ser pessoa a quem se dá poucos créditos. Que quando eu falasse em palavras, as pessoas colocassem em dúvida a verdade, a minha sanidade e a minha capacidade de transformar fatos em verbos. Fui criada - ou nasci, quem sabe de onde vêm essas coisas? - de tal forma a só pronunciar o que não me pertencesse, as teorias consolidadas e as certezas irrevogáveis, enquanto todo discurso subjetivo deveria conter um "eu acho que" ou pior e mais doloroso "talvez" de dispensar responsabilidades. Ah, mas que delícia seria ouvir sussurrados os pensamentos dos outros (não dos outros mesmo, não se enganem, mas dos outros cá de dentro e do que são enquanto coisinhas personagenzinhos da minha cabeça e de tal forma) ouvir esses sussurros dizendo Coitadinha, ficou louca, ou tendo muita mas muita raiva (tem que ser raiva de não segurar o punho que vai em direção ao quebrável e evidente nariz que tenho) e de, nessa raiva, dizer mil coisas que eles nem sequer pensam. 
    E, ainda (que delícia é escrever quando se escreve utopias), mas ainda eu ver-me perdendo o controle, a cabeça e esquecendo meu nome e, ao procurar no bolso o documento, estar nua e perdida e mais humana do que jamais. Ou então em aflição (não me permiti o que hei de cogitar antes por pudor, mas mais pela modéstia em dizer que mereço tanto e talvez um pouquinho pela vaidade de escritor que não quer escrever coisas repetitivas:), em aflição e sem dor, exceto aquelas intríssecas ao ato, amar. Amar muito mesmo. Um amor que nem acredito que haja e tudo bem porque, cá, quero ser desacreditada e, como já disse, quero que, de reação a esse texto e a outros e quando quiserem (lembrar de parar de obrigar os outros ao meu tempo), desprezem-me, dizendo que Muito bem, eu tentei, mas só há aí mentiras. 
    Dispenso cá a verdade em prol de que, pelo amor de deus só hoje, eu tenha paz.
    Amém.

27 de maio de 2012

Se José me permitir...

A mulher do médico, tendo à vista a vista de outro, nos olhos não mais estáticos e inutilizados do primeiro cego, título que não mais lhe cabia, apoiou todos os músculos na poltrona e levantou somente o braço. Dispensou a voz que era sua identidade, não precisava mais dela. A mão estendida à janela afora era quem falava, como se lhe apresentasse pela primeira vez e como se aqueles olhos sempre tivessem sido cegos. Mesmo que recheado de lixo e nojento e cruel, aquilo ali havia sido só dela por tanto tempo que se acostumara a este tipo cá de solidão. Quando da boca que primeiro disse Estou cego, saiu a até então inalcançável frase Vejo, a mulher do médico juntou as forças que lhe restavam e todo o sentimento materno que havia ganhado por essa gestação cega e deu ao primeiro cego o mundo, Ei-lo! Então, manifestou-se a vaidade à qual ela sempre teve direito, E eis a prova de que eu dizia a verdade sobre como ele é.

PS.: Só um pequeno exercício de escrita relacionado ao Ensaio.

25 de maio de 2012

A mulher do ponto de ônibus

Rubra tinta colore os lábios negros
Tão mal-contornados quanto uma criança faria
És uma alucinação disfarçada de cidadania
Mas só o veem quem todo dia atesta.

Quebramos juntas os preconceitos
(mesmo que extremando-os contrários)
e eu, por pena, finjo não ser rainha
deste mundo em que você chegou antes.

E sou mesquinha escritora
fazendo de personagem quem
nem imagina ler-me um dia.

E tu, sempre a mesma roupa,
sempre a mesma cara
e trazendo nas mãos
sempre o mesmo gesto repetitivo.
O gesto teatralmente encabulado com os pés,
O carinho de mãe caricaturado.
Feito Macabéa, que foi esquecida e é cheia de coisas.
(Na mesma sessão diária matinal)

Ou és personagem
ou o mundo está me zoando.

20 de maio de 2012

O segredo dos seus olhos (testando a máquina)


(Teste da máquina com fita nova. As ondinhas devem-se ao papel que não estava reto e a falta de tils deve-se à licença poética adicionada da tecla quebrada.)

De um dos lados da boemia

    Trancou a porta atrás de si. Antes de andar, um último relance à sua volta: a rua deserta. O pouco que era visível devia-se à fraca luz amarela dos postes. Um cachorro derrubando a lata de lixo o fez enfiar a displicência nos bolsos e experimentar uns passos vagarosos, mas a verdade é que não temia a noite. Fazia dela sua companheira, já que por mais que se lançasse em bares, ruas cheias e casas noturnas, ninguém caminhava ao seu lado. É que à noite, as lindas e sorridentes máscaras do dia eram deixadas em casa, trocadas pela animalesca face original, que mantinha-se segura, oculta pela densa escuridão. Então, ficava fácil envolver a cintura de uma mulher obscura, copulando com todos os buracos, entre os quais não se sabia quais tinham origem natural e quais eram nacos arrancados nos tropeços da vida, se elas podiam o benefício da entrega, do prazer e do dinheiro sem, supostamente, o pudor. (Com o tempo, os olhos das moças aprendiam aquela cegueira e suas mentes começavam a supôr as imagens: e eram homens tão feios, mesmo que bonitos fossem, e trajavam sempre um imponente e imperativo terno, mesmo quando lhes despia, que crescia de novo no peito uma afogada, abafada vergonha). Dizendo assim, um cidadão diurno até diria que é cruel a boemia, porque ainda não ouviu dos privilégios que se lhe atribuem: ninguém tem de ser claro, não é necessário justificar as ações com mais do que "eu bebi demais aquela noite". Pode-se debater, arrancando de si as peças de puro aço que prendem as pessoas nos trejeitos e dizeres aceitáveis, elegantes, bacanas, certos. No entanto, a noite não é o caos. 
    Suspeito, estrangeiro, ele viu seus amigos bebendo e jogando conversa fora encostados num carro cujo som era realmente alto. Foi se despedir porque, ao Sol, se encantara com face de uma menina-dia (o amor é de dia e de noite) e quis contar-lhes que estava feliz, mas eles não ouviriam nada que não fosse estupidamente engraçado ou terrível.

19 de maio de 2012

Confusão

Fico pensando se nós
por nós nos bastamos
com os nós que nos atamos
e por quê? e por quantos anos?

Me amedronto da poesia
(porque quando lhe exijo a rima
me obriga àlgumas palavras
que eu preferia não relacionar)

Mas mais porque ela é carta
Destinatário e remetente assinalados
E o conteúdo, cheio de eufemismos,
não está certo do assunto que diz.

Mas fico mesmo indignada
Cadê coragem e certeza
quando preciso delas?
Cadê a característica destreza
em dizer as coisas belas?
Cadê os fins de frase afogados,
os pontos-finais bem regrados?

E onde foi parar a moça-decisão?
Será que arranjou a morada que queria,
se instalando feito posseiro
dentro do seu coração?

13 de maio de 2012

Unos como máquinas do tempo

   No escritório ridiculamente subdividido, no sétimo andar do cinzento prédio da Pinto Fernandes Construções, atendendo e fazendo telefonemas de média importância, Rogério juntou dinheiro o bastante para comprar seu primeiro carro. Não, não... não era um carrão nem nada, mas dava pra ir aos poucos lugares que costumava frequentar. Foi num bar que o conheci. Alguns amigos trocaram seu nome pelo meu e nós dois trocamos apertos de mão. Nessa época, a cabeça de Rogério já tinha rodado alguns quilômetros e ele me dizia coisas que me amedrontavam. "Se houvesse pra onde ir, eu iria." Rogério confiou em mim, nos tornamos amigos em menos de uma noite.
   Passamos a conversar todos os dias. Ele me ligava ou nos encontrávamos ao fim do expediente e eu lhe dava boas esperanças do que seria amanhã. Num desses encontros, bêbado, ele me confessou o que todo bêbado alguma hora confessa. "Só que ela nunca vai gostar de mim..." e daí eu dei uns conselhos que seriam esquecidos na manhã seguinte. Noutro dia, me encontrou na rua, buzinou de dentro daquele carro e disse "Estou indo.", antes que eu perguntasse pra onde, ele deu uma arrancada, tomou o rumo contrário e disse "Nos vemos por aí!". A moça no banco do passageiro pareceu realmente surpresa.
   Essa foi a última vez que tive qualquer notícia de Rogério... até esta manhã. Eu ainda dormia quando o telefone me trouxe uma voz de mulher desconhecida e cansada, perguntando se eu gostaria de encontrá-la. Porque hoje é sábado e eu não tinha nenhum afazer, topei e fomos nos ver num café perto de casa. Ao apertar minha mão, ela perguntou correndo se eu queria saber de toda a história de Roger e dois pensamentos vieram, um ao pé do outro: "Roger? Rogério?" e "Como essa moça sabe quem sou?". De qualquer forma, aquiesci sentando e a olhando com interesse. Respondendo minha pergunta, ela começou a história "Na primeira semana, teve essa loucura de que se chamava Roger e insistia em me chamar de Mary ou algo assim. Achei que ele delirava, porque falava realmente sério." Tudo nessa narrativa indicaria que ao fundo ouvíamos um negão tocar seu trompete e que a moça fumaria um cigarro atrás do outro e me contaria tudo displicentemente, mas não. Muito séria, ela continuou.
   Roger a havia buscado em sua casa, declarado-se e a colocado no carro e dado partida, tudo em menos de vinte minutos. Ela divertida com a aventura, topou. Achou que iam até a esquina ou até o Parque do Ibirapuera, mas foram parar na estrada. Sem parar o carro, a levou prum lugar realmente longe que ela não sabia onde era. "Sabe, no começo era bem divertido, dormíamos no carro e fazíamos sexo no acostamento e ainda tínhamos algum dinheiro pra comida. Até a brincadeira dos nomes americanos eu topei." Os dois encontravam figuras brasileiras que não tinham onde ir, malandros, prostitutas, crianças abandonadas... e era bonito ver tanto verde para todo lado. Ela me contou que a sensação de liberdade a mantinha presa a Rogério, tal como as cordas que às vezes ele punha em volta de seus punhos.
   Numa noite, ela conseguiu ligar pra sua mãe, contou que estava bem e bem longe, que não era pra chamar a polícia e que sabia que já tinha perdido o emprego. Desligou chorando e se despediu dele também, dizendo que não podia mais voltar pra casa e acabariam se encontrando onde todos os caminhos levam, Denver. Eu não sabia onde era isso, mas resolvi não atrapalhar a história. "De fato, nos reencontramos, mas não foi em Denver, não... foi para os lados de Itaquaquecetuba, eu, ali na beira, sempre era confundida com prostituta ou mendiga, tsc... vi seu Uno correndo lá longe na estrada e ele me viu também." Transaram como loucos no banco de trás aquela noite e foi quando ele a contou que sentia minha falta, que achava que eu seria uma boa Sal Paradise para o casal Dean e Marylou que eles faziam. Nesses termos, eu é que coloco agora.
   Nisso já havia um ano passado, ela me contou. Certa noite, eles pertinho de São Paulo, foram parados por uma blitz... não a primeira, é claro, mas dessa vez ele havia se embebedado. Viram as luzes de longe e, sabendo que seriam pegos, pararam o carro e desceram no acostamento. O combinado era esperar ali até a manhã seguinte, até que a blitz fosse embora. Ela não sabe o porquê, disse indignada e agora chorando, "mas ele entrou no carro, posicionou-o na contramão e foi em direção ao fluxo...". Ela parou de falar por causa dos soluços, mas eu já tinha entendido. "Nada pode um cara que viajou no tempo nessas estradas de hoje em dia..."
   Rápida como aprendeu a ser, Mary deixou o convite do velório ao lado da xícara vazia e se levantou dizendo "Nice to meet you, see you 'round", mascando um fio de palha imaginário. E se assustou antes que eu fizesse o mesmo.

7 de maio de 2012

Linguagens

Vem a mim a moça Imagética,
quase chega, deixa à míngua
apesar do apreço pela minha Língua,
faz-me destruir minha própria dialética
(e minhas convicções e os sermões)
Me faz ficar sem palavras ê
nada posso fazer senão
afogar fins de frase nos cabelos dela.

Mártir

Um dia, seu nome estará
na rua, no prédio
no letreiro do teatro.

Vai ser tudo só seu!

E não vai ser porque
é nome bonito, sonoro
ou de ilustres ancestrais.

Vai partir de você!

Seus pais disseram
"vai ficar lindo no rg."
"vai ficar forte no boletim."

E era uma combinação e tanto!

Será desgastado e apoderado
aquele velho seu nome
será abreviado e reutilizado.

Você vai ser ponto de referência!

Vai ser sinônimo de rua
de prédio, de teatro
Vai ser de todo mundo.

Mas só quando não for mais seu.

Prometo lembrar pra sempre
que era do grandioso tu, o nome
e ter orgulho da homenagem.

Mesmo que o nome seja só um pedacinho mínimo de você...

Destruição divina

O pecado em mim é bruto
Atinge-me nas partes não libertas
se munindo dos meus preconceitos
e fingindo-lhes justificativas

Me julga e me rotula
Me cinge e me modula

Cria um Deus ao lado da orelha direita
que observa-me movimentar atuando
espreitando todos os mínimos pensamentos
(e por isso é fictício e por isso sou eu)
Quase em silêncio, brande a mão armada
e espera em julgamento.
Espera o mundo dar uma volta inteira
pra alma querer se ferir novamente.

E só há uma guerra tão injusta
quanto a que se trava com um ser superior e criador
é a guerra que se trava
em escondidos campos de batalha
que não tira sangue, mas dói fundo
que não tem general que pare
a guerra em partículas
Guerra cuja espada que atravessa o guerreiro
atravessa junto seu inimigo
(porque são um só e por isso sou eu)
a destruidora e incomparável
guerra consigo mesmo.

27 de abril de 2012

Vozes

Estava lá o corpo estendido no chão.
Dezenove horas. À beira de uma enorme avenida.
Ao lado, parou um ônibus em cuja janela punham-se os rostos assustados. "Abre a porta!", "Tem um corpo!", "É um homem!", "É um velho!", "Quem será?", "Está morto!", "Está morto?", "ESTÁ MORTO!".
E em cada uma das cabecinhas um silencioso apreço pelo conflito e um agradecimento ao drama pelo fim-de-tarde tirado da normalidade; em cada uma das cabecinhas um romance mais empolgante do que o outro. "Coitado!", "Coitado nada!", "É caloteiro?", "Não o conheço.", "É Zé Ninguém!", "Foi por dinheiro!", "Foi por amor...", "Ouvi dizer...", "...que nessa área...", "...sempre acontece...", "...umas coisas dessas."
Nada podem as cabeças em face de um corpo morto. Se não fosse esse aspecto humano, já era mato desse da calçada.

"Mexeu a boca!", "Mexeu a boca!", "Está bem vivo!", "Mas aí deitado?", "E a essa hora?", "Foi a cachaça.", "Foi a cachaça.", "É, a cachaça.", "Sempre a cachaça!", "Quem mandou beber?", "Se é cachaça, então a sarjeta...", "... é o lugar dele mesmo!", "Fechem a porta!", "Siga viagem!".

A vida é chata.

21 de abril de 2012

Maria e a canção

Quando escapava a voz-menina da boca-maria, sussurrava juntinho a mocidade, convocando os apreciadores de delicadezas. O fiozinho de voz, feito fiozinho de água, corria, embora as pedras se pusessem no caminho. Escorria e vazava por onde queria ir: era forte. Era forte e, por isso, acabemos aqui a metáfora desse riachinho, que parou numa depressão e virou pocinha, e sigamos em frente com Maria que inundou um povo, matou a sede duns corações e regou uma arvorezinha pitangueira.

Maria não continha obra e nem dizia história mundial, era pequena e tinha um sorriso legal. O que dizia (e eu riria) era tão só de Maria, tão pequeno, tão indivíduo qu'eu riria, se eu não amasse Maria.
Mas era tanta despretensão, tanto coração, tanta canção (tinha, sim, a mão de "João") que Maria criou uma nova conexão: quando era sobre si que Maria escrevia, por humana interrelação, escrevia toda a multidão.

7 de abril de 2012

Carinho

é uma dor bem de levinho.

Lux

Algumas histórias tapam o buraco de eu nem mesmo ser.

Toda manhã acordo em velocidade certa e nas cores certas, bocejo e as orelhas tremelicam internamente, vibram graves, mas só eu consigo ouvir.

Lembro do meu amor contra o verde chroma-key: esta tarde traz aroma urbano e, embora eu o coloque contra o cinza-paulistano, ele nada fará sem ordens da direção. Há que abrir a porta, arrastá-lo pela mão, beijá-lo sem música, deitar-lhe a cabeça nas pernas só porque é bom e nada mais. Regra: destrua os cacos, esmague as improvisações e toda surpresa renegue com a cara cínica e impassível.

E eu sou o bom moço, o policial corrupto, a atriz megalomaníaca, a ingênua que beija, o lunático e sua paixão impossível, as esposas, todos os filhos coadjuvantes, todos os cachorros e todas as cigarras ilustrando a noite.

Os olhos secos de luz, a subjetiva e, parabéns, você ganhou uma vida! Pura adrenalina e, sem exageros, afirmo que até mesmo a oxitocina se manifesta.

Mas então, se enfia as mãos nos bolsos, há os trocados necessários para uma passagem de ônibus e se tem certeza do lugar aonde vai, o itinerário, o horário e o calendário (as incertezas meteu no outro bolso). É uma das características da luz entregar seu provedor e dessa vez ele é violento: dispara contra os olhos de pupilas dilatadas de casa, enfiando-lhes canal abaixo claridade de puro sol.

4 de abril de 2012

As frestas

Estão pra sempre
e são e sendo
estão sendo. E tendo
em si a eternidade
seja lá em ideia e pensamento
seja em átomo, molécula ou elemento.
As noções perduram os oitenta anos,
se aprimoraram e se afinam,
não mais do que oitenta anos.
Porque os homens,
carregados de sua razão,
trazendo suas cordas vocais
e seu belo vocabulário milenar,
não sabem falar.
Não falam.
Não falam mais do que as palavras podem.

E aí o tempo malandro,
inimigo eterno do empirismo,
dita que tudo leva tempo
(ele adora se meter no meio
entre um compasso e outro
entre um amante e outro
entre os limites do corpo).
O começo é invisível.
O mundo começou,
a onda começou,
o vento começou,
o homem começou,
você começou bilhões de anos atrás.
de você.

Há os crentes esperançosos,
que confiam na palavra, sim,
mas vêm verdade nas coisas não-ditas,
não-pensadas, no acaso
e nos instintos dum corpo com vontades,
acreditam no que não entra em contratos,
no não-oficial tremelicar de pestanas,
na mão que acarinha sem saber por quê,
no soco-reflexo que salvou a vida,
(mas ninguém parece ver
essa sobrevida da vida forte),
como os crentes,
como eu.

18 de março de 2012

Essa rua

As ruas vazias refletem
Voltam sons e volta a luz
Entrando pelas janelas todas
das pessoas adormecidas
Não acordam.
E por que não acordam?
Estão mortas - espero!
(A dor seria menor)
Se não estão, não sentem
Não sentem e não pensam
e não falam
Para que as janelas se abrem?
Para quem?
Eles só dorme
Só morrem
e desintegram-se
Uma mão alheia e não-qualquer
Os corpos estão estirados
O sangue escorre pelas escadas
E nos vãos das portas
A rua enrubresce
Mas eles vivem, eu sei
Ouço batidas lentas de coração
E gritos excruciantes de dor
São muitos gritos homogeneamente
Dessa rua, dessa cidade
O mundo grita
tão mono-tonicamente
que vira silêncio.

(não sei a data. achei no fim d'um caderno.)

6 de março de 2012

A noite duma terça-feira

Quando o Sol,
ainda que em cinza discrição,
põe-se no céu enquadrado,
eis que as almas descansam a auto-ajuda.

Desistentes, apoiadas, sonâmbulas,
não almejam vida melhor,
mas apoio pras pernas:
só querem mesmo é chegar em casa.

Crianças meladas de doce,
sujo o uniforme bicromático
com os pés enfiados em meias coloridas
puxam seus pais melados de cremes
pelos corredores dum Pão-de-açúcar

Às oito, a cara num exercício de matemática
Oito e meia, a cara na tela.
Nove horas, a cara no travesseiro.

Carros não mais disputam os rios de concreto
Berrando luzes vermelhas e buzinas

Os mais abastados fingem que a noite é boa.
Os mais cansados fingem que a noite é útil
E os jovens gritam da cegueira alheia
fingindo que a noite é pra sempre.

3 de março de 2012

The girl I watch

Well, I enter through the eyes
Behind is anything I can't laugh about
I admit creating a level of understanding
in which she and I only can live

Then I invade her life and thoughts
pretending to be smarter than I am
And she breaks me with manliness
and motherness... and tenderness

Watching it escape from her smile
as she tries to close it, so brave
As she tries to hurt me and distribute hate
I feel those same eyes caressing me

20 de fevereiro de 2012

E desencontros

Foi no meio da rua:
ela vestia sua camiseta preferida
e não fazia sol direito.
Andando no ritmo do cantarolar,
via o concreto fugir em listras
correndo dela (mas devagar);
chovendo cinza na horizontal.
Pararam em pés conhecidos,
calças conhecidas,
mãos conhecidas nos bolsos
ombros conhecidos
e a boca num conhecido sorriso
beijando o beijo conhecido
e dizendo assim:
"What are the odds?"

E assim também:
Hoje, sim, tinha sol
outro dia com aquela camiseta
mas agora com o cheiro conhecido.
O chão estava em bolinhas
e a estaticidade permitiu pensar
nele chegando ali
com a imprevisibilidade conhecida,
na situação desenhada improvável,
nele sozinho e sério,
e a boca desenhando um euteam-
Os pés de volta no concreto,
queria acreditar, mas
se presenteou com a realidade
pensando assim:
"What are the odds?"

14 de fevereiro de 2012

Bruta flor

Mínima de 18 e máxima de 21 graus celsius hoje na capital.

Uma mão tateia pra fora da sombra e se estende, calculando o sol com a palma pra cima como se faz com a chuva. Não chega a atingir a pele como fez a mesma estrela há tempos: o queimarzinho que precede a vermelhidão, ambos relaxando as pestanas como só o ócio sabe fazer. Em vez disso, o cotidiano joga-se nos olhos, pesado e constante.

Os porquês não caberão nesse texto, salvo os que esbarrarem na paixão, mas estes foram enterrados tão fundo que temo evocar, na verdade, uma grande teia muito pior do que não sentir. Até deixando de lado a apreensão, é pouco visível nos passos dados na rua, no almoço de todo dia e nas conversas burocráticas a luzinha que nunca vai embora, da ação pessoal, da vontade primeira e legítima.

É a mão que estende para o sol querendo a chuva.
É o abraço que supõe o beijo esperado. É a seriedade que pretende o mistério que deseja o interesse que almeja o júbilo... e um milhão de outros processos.

Mas mastigada nas instituições, fatigada pelas distâncias e discrepâncias, enganada e subvertida pelos dogmas impessoais, mantém-se à espera da descoberta e reza pela aventura, pelo total cumprimento ou descumprimento (e por que não os dois? e por que não alternados? e por que não em ritmo frenético?) de sua ideia.

Mais sublime ainda é a inconsciência: quando se tropeça no prazer, já nele mergulha barrando qualquer grito da pretensão e do planejamento, dádiva dos que vivem já durante a queda.

É o espírito jovem e não-cauteloso que escreve-lhes e diz assim:
Deixe o sol desenhar sua chama, deixe-se, ainda, pálido e hipotérmico (não é bonita a endotermia, se é vontade do corpo o calor?), mas, por favor (por favor!) só não deixe a falsa promessa de calma da apatia.

8 de fevereiro de 2012

Pra eu lembrar pra sempre

De grande superfície de contato,
o cotidiano, a humanidade, a fácil, a falsa palavra
a poesia profana se deixa fazer

Que é a poesia que ergue as sobrancelhas,
derrama um sorriso paternal e diz cheia da razão
que a vida não é boa e ninguém é feliz
e que termina por comemorar a melancolia.

Filha da puta enganosa!

Bonita a foto da família (tons de sépia, uns tios mortos)
os abraços partidos lembrados (tons de sépia, uns tios mortos)
aquela nossa música (tons de sépia, uns tios mortos)
Brindemos à nostalgia!

Filha da puta enganosa!

As lembranças que montam o passado
são dum quebra-cabeças quebrado
que brada contra o cotidiano de hoje
romantizando o cotidiano de ontem

Filha da puta enganosa!

Quero mais é que venha a moça,
traga seu sorriso dor-de-rosa
me crave os espinhos e roce suas pétalas
e erga suas folhas num abraço

E que fique pro futuro, mas senão... (Filha da puta enganosa!)

...que pelo menos, presenteie-me com o presente
vindo dentro duma caixinha e tal
com uma mensagem visceral
que é pra eu não esquecer nunca mais

porque, também né?, ninguém é de ferro!

8 de janeiro de 2012

Uma emoção pequena, qualquer coisa

Eis que quando você pensa que se livrou, lá vem ela, rastejando devagarinho, disfarçando-se de pensamento, mas não! É pura lógica e vai vir cortante direto na sua garganta, a exatidão.

(Dessa vez não é feedback
estou bem e pronto e só e basta)
E basta, mas na verdade não devia.

Porque todas as meninas estão aí chorando os relacionamentos perdidos
Não, não: todas as pessoas o fazem.
Todos os moços barbados e todas as senhoras pudicas.

E então eu, muito correta, assino os papeis devidos.
Quem tem direito de sofrer, sofre.
Não o ganhei, mas está tudo em casa:
quem tem direito de morrer, morre
e quem tem direito de viver, fica por aí mesmo.

(Acho que isso é mais pra mim mesma,
mas achei válida a pseudo-sugestão
já que sempre foi bonitinho o blogzinho e tal)

Faz uns meses que eu já não sinto amor, nem dor
eu já não sinto nada. (Socorro, alguém me dê um coração!)
Me falta o papel da permissão: "você me faz bem e pode ser feliz agora"
ou ainda "te odeio e te farei sofrer", que seja, é um começo.

Ou eu devia dar uma choradinha,
mas eu e as emoções não aprendemos a coexistir.

Assinado aqui. E aqui. Obrigado pela preferência.

(Entendeu? Bem.) :)


PS.: E valeu pela música, Arnaldo Antunes :B haha

4 de janeiro de 2012

Faísca

Pra ganhar a dignidade das páginas, uma história não precisa de uma grande particularidade. Natan, por exemplo, não nasceu de sete meses, de uma mãe doente e nem seu nascimento foi um milagre e, embora assíduo participante de consultas pré-natais, seu pai viu-se surpreso ao observar o pequeno animalzinho humano ensangüentado saindo de sua esposa.

Os dias seguintes foram igualmente recheados de acontecimentos inéditos: o primeiro banho, a primeira fralda, a primeira mamada, a primeira roupinha... Na verdade, tinha uns seis meses que o pai de Natan não passava muito tempo sem uma boa notícia incomum. Sentado no sofá, as mãos da esposa nas suas, “Fui ao médico hoje. Sim, tudo bem. Não sei como lhe dizer.” Ela chorava de leve. “E você me preocupando à toa? Um filho! Não, será menina? O que você tem que comer? Vamos fazer uma lista! Ligo pro seu Nogueira hoje e aumento minha carga horária!” Ela sorriu e não foi de leve. E então cada ultrassom trazia um órgão a mais, uma roupa ganhada da tia, uma orelha nítida, um berço, 2 quilos a mais, um batimento cardíaco...

Agora dois olhinhos pretos entre os lençóis brancos: era vivo. Acenou e o bebê inerte. O pai não era inseguro, mas, como todos os amantes, pensou que talvez seu filho não gostasse de si. “Aos 14, vá, 15 anos... espero que ele diga que não gosta mesmo, mas e se não me amar nem um pouco nem por um tempo?” A mãe ria “Deixe Natan em paz que não é sua imagem que vai resolvê-lo.” Resolvê-lo. Aquele bebê era um mistério.

Porque quando falasse seria tarde demais e enquanto não falasse, seu pai só podia retirar tudo o que queria daqueles dois olhinhos pretos (depois aprendeu: a temperatura da água, o choro, o suor, as mãos fechando, o sorriso desdentado, tudo falavam naquele natanzinho).

O garotinho ainda reagia pouco. Impaciente, o pai estalava os dedos, respirava forte e andava de um lado pro outro. Será médico ou professor? Ou nenhum dos dois: “Não vamos limitar Natanzinho, amor, deixe-o ser”. Só queria saber! Voltou a ser uma criança curiosa, olhando por cima do berço e esperando, como se anos fossem passar em segundos. Natan era um garoto forte, de cabelos pretos, com um sorriso que fazia as moças se apaixonarem. E esse pequeno porquinho no berço, quando será Natan? Ele não era um garoto forte: era um bebê vermelho, era uma criança feliz, era um jovem saudável, era um adulto estável – e, ah!, as expectativas paternas, deixe-as! Era um bebê chorão, uma criança tímida, um jovem ruim de matemática, um adulto apaixonado. Sei lá, o amava muito. Era um mistério.

Queria saber de onde viera o pequeno – e não acreditava em reencarnação, mas todas as pessoas da vida têm um lugar de origem, Natan devia ter também. Não o útero. Queria saber o que pensava Natan, o que pensaria, o que faria e quantas partes disso já estavam ali naquele animalzinho humano. Então, esse homem, cujos dedos agora eram gigantes explorados por mãozinhas delicadas, entendeu que podia ter chegado logo no começo e vira, como nunca (nem seu irmão mais novo nem mesmo suas ideias), a faísca. Estava livre da vaidade de ser dono da chama, do incêndio, dos estragos, do calor, mas a faisquinha, aquela amável faisquinha era toda dele e sentiu-se, enfim, pai de seu filho Natan.