30 de janeiro de 2010

Recíproco

A vejo ali parada.
Paro, então, e olho.
Mas disfarçadamente, porque ela me fita com olhos grandes de curiosidade, brilhantemente interessados.
A moça me intriga, me olha de cima a baixo, parece me analisar.
Olho-a bem nos olhos - que são verdes -, fazendo-a se esconder, envergonhada, nos cabelos castanhos que lhe escorrem pelos ombros.
Ela enruga a testa, talvez me reconheça.
Seu rosto é estranhamente familiar, embora eu ache que ela só deve parecer com alguém.
Volto a andar; me vem aquela sensação de tem-alguém-te-observando e viro pra trás.
Ela escreve algo num papel.

Junto

Vou deixar, vou tentar, mas em vão.
Por procurar alguém que eu nem sei quem é.
E que, na verdade, nem sei se existe.
Pra não desacreditar

Nem que seja químico.
Pelo prazer da companhia
Por querer estar - os dois - junto.
Pelo desejo de ser um só.

22 de janeiro de 2010

Então, que seja

O tempo, que fora espera, chega. E chega com atraso. Mas a superestima que damos às coisas supera a nossa real interpretação, a qual só atribuimos ao passado. Desapontamento.
Abrimos mão de algumas coisas por escolha e de outras por obrigação; porém, fazemos tudo de acordo com o que eles esperam que nós, tolos, que amamos, façamos.
Sinto, agora, o mundo tão fora do meu controle quanto temi. Como se as coisas não tivessem saída e isso resultasse num aperto, aqui dentro.
Desejei ser outro alguém que não eu, para abstrair o motivo da minha aflição, que é ser desconhecida pra mim e sentir meu lar desvirtuado por aqueles que vieram depois e não sabem metade da história do que fora aquele lugar. Tal qual o mundo.
E então eu corro. Corro para aquele outro lugar que é lar também. Corro para aquela família que eu, e a vida, juntas, escolhemos mas esse se esvai. Em velhas fotografias vejo os rostos infantis com quem compartilhei muitos momentos. Momentos em que eu não desejaria estar em nenhum outro lugar no mundo. E essa é a melhor sensação.
"Mas não se pode arrepender em partes.", eu digo a ela, porque a vida não é feita de coisas boas ou ruins; a vida é uma eterna rede de consequências, onde uma razão é seguida de uma reação, que, por sua vez, é o motivo de outro motivo. E tudo é relativo!
Não há como fugir. O jeito é fazer da vida - e todas as suas voltas e reviravoltas - seu conforto. O jeito é colocá-la em suas mãos, montá-la e mudá-la ao seu bel-prazer. O jeito é descontar no lápis-e-papel todas as suas meias-verdades, das quais você quer convencer aquele estranho, que mora na sua consciência.
Percebo - por fim, porque o sono já chega - que todas aquelas aventuras que pensei serem premeditadas são muito pessoais e podem ter finais inesperados, porque as coisas nunca são como já foram. Seja isso bom ou ruim; ou que apenas seja.

18 de janeiro de 2010

Meio torta

Esse texto não é meu. É da Mallu Magalhães, postado no blog dela, mas eu achei digno de ser postado. :)
Here it goes:

hoje vi na televisão coisas que me despertaram aquele pensamento azedo de auto-questionamento.
Adoeci e (mas agora me sinto melhor), por isso, fico vendo televisão.
Passa e se festeja, nos canais, gente tão distante de mim qu'eu me ponho a pensar s'é esse mesmo, esse caminho da exposição, o meu caminho.
Sei não.
Sou meio torta.
Falo o que não devo.
Tenho medo da câmera.
Não minto.
Não finjo.
Não caibo.


Fico esperando qu`o mundo m'aceite.

que nem esperei na escola.
que nem esperei no primeiro show.
que nem esperei em todos os shows.
que nem esperei na televisão.

hoje vira e mexe eu já não quero esperar.
tem dias qu'eu acordo forte e tento me sentir mulher.
e tem dias qu'eu nem quero acordar.
os dias só me tiram da cama por causa do meu amor.

acho, sinceramente, que vivo d'amar e d'amor, e qu'a música é fruto desse meu sentir.
por isso que me tanto machuca não caber.

quero levar ao mundo a beleza da sinceridade.
a beleza do torto,
do rouco,
do fraco.

mas e s'o mundo não quiser nem saber?

15 de janeiro de 2010

"Poeta"[2] ou "Cíclico"

Enche alma.
Como pássaro, alimenta-se de flor
Alimenta-se do lírico.
E de amor.

Mas só faz ganhar, o amor.
E o lirismo.
O pássaro ganha cor.
De flor, a alma enche-a.

Escreve pra mim?

13 de janeiro de 2010

Poeta

Bobagem
Se apaixonar por poeta
Que finge sentimento
Que esconde os seus próprios
Bobagem
Desilusão

11 de janeiro de 2010

Sonetando

Soneto-te inventando versos
Soneto-te percebendo escolhas
Soneto-te nessas mesmas folhas
Que sonetei-te com olhos imersos

Soneto-te inventando verbos
Soneto-te procurando rimas
Soneto-te porque me aproximas
De lembranças de prantos acerbos

Soneto, então, aos momentos
Soneto, portanto, à saudade
Soneto ao que fora alento

Sem pretensão de que te fade
Ao tormento que é despedida
Soneto-te só um soneto

PS.: Às nossas lembranças; e sonetá-las-ei, hehe

6 de janeiro de 2010

Onde estou?
Não sei se é bem esse meu lugar.
Não sei se devo fazê-lo.

Aonde devo ir?
Não sei se a dúvida é normal.
Não sei se devo sentí-la.

Onde sou?

5 de janeiro de 2010

Tudo o que você deixou

A lapiseira Pentel - cuja borracha estava sempre intacta - e a borracha, meio azul, meio rosa, que viviam no seu bolso. A régua amarela com apoiador que eu achava genial. O relógio que media temperatura pro meu irmão e o guardador de fones que demorei pra descobrir a utilidade, juntamente com as moedas de todos os paises, pra mim.
Uma vitória que só eu acho importante. Algumas manias, alguns trejeitos. Algumas palavras que a gente ria de você falando ("arioporto"). O rosto pro meu pai e o jeito de falar pro meu tio. Na cozinha, deixou várias caixinhas de bom parecer que nenhum carpinteiro sabe fazer.
Uma desculpa pra mudar de cidade, uma desculpa pra mudar de casa, uma desculpa pra chorar, uma desculpa pra conseguir, uma desculpa pra nunca mais se aventurar.
Lembranças, o olho azul-céu (céu de brigadeiro) na foto da parede. Na foto, também, dois sorrisos: o seu, como o do meu pai e um mais engraçadinho no rosto da menininha no seu colo, eu. Saudade.

PS.: Quem deve entender, o fará por completo.

Do sétimo andar

Voce fugiu. Alimento, dese então, uma esperança de te reencontrar. Peguei uma foto sua, a mais bonita, você olhava pra mim. Fiz dessa foto um anúncio e colei em todos os lugares possíveis. Acho que ninguém viu.
Lembro bem de te deixar sair sozinho todas as manhãs, para tomar café na padaria. Você gostava dessa liberdade. Era o máximo que eu podia permitir e você parecia entender. Se sentia independente com aquilo. Mas eu te olhava, me debruçando na janela, alto aqui do sétimo andar, como pra me assegurar que tudo ocorreria normalmente. Nao que eu não confiasse em você, eu só sabia que havia coisas que não estavam sob seu controle. Você conversava com seus amigos, até mesmo com os que ninguém ouvia.
Eu quis te proteger. Te proteger do perigo maior: você. Eu nunca explicava exatamente. Era como o que se omite de crianças por medo de assustá-las. Mas talvez você lidasse melhor do que eu com isso. Não o pensei na época. Eu não contava não por medo da sua reação, mas por medo da minha, de ter que encarar - finalmente - como realidade. Mas no seu caso era o tempo passar, confortava-me o doutor.
Parece que foi ontem que eu fiz aquele chá, que você adorava, de habu, que te curou da tosse e do chulé. O gosto era bom, na verdade. Carinho é o melhor placebo. Funcionou com você. Eu devia preparar um chá de habu pra mim mesmo agora, pra me confortar, mas não teria o mesmo gosto fraterno, teria gosto de saudade.
Saudade porque teve uma hora que não deu mais. Não deu mais pra você e, confesso tristemente, nao deu mais pra mim. Pessoas desconhecidas sussurravam, gritavam e ordenavam suas próprias vontades dentro da sua cabeça. Diziam só o que você queria ouvir. Você passou a ouví-las mais do que a mim. Elas te confortavam, mas te faziam mal. Foi difícil ter de te levar àquele lugar: clínica, hospício, manicômio - como é que hoje se diz? Você não quis ficar.
Seus amigos, que eu nunca tinha visto, passaram a protagonizar alguns dos meus mais terriveis sonhos. Seus poucos amigos reais - o padeiro, o porteiro, o vizinho da direita - perguntaram por você. Queriam te reencontrar também e até me ajudaram com aqueles vãos anúncios, estampados com a sua foto mais bonita, olhando pra mim.
E se eu numa esquina qualquer te vir, será que você vai fugir? Se for eu vou... se for eu vou correr!

PS.: Quase obviamente baseado em "Do sétimo andar", Los Hermanos.

Sonhos

Ela sonhava todas as noites com ele.
Sonhava porque ele era interessantemente impossível.

Passou a sonhar, então
Sonhava porque ele era incessantemente dela.

Sonhou ainda
Sonhava quando ele estava irritantemente exigente.

E sonhou uma última vez
Prevendo o momento que tristemente viria.

Mas aí não sonhou nunca mais.

1 de janeiro de 2010

A curto prazo

Se não fosse assim tão difícil
Os impedimentos só por serem sabidos
Mas a gente preferiu assim,
o intenso e curto
à vida toda.