30 de abril de 2010

Lembrança

Nas penumbras que a dor provoca. Vivaz bate o coração aproveitando cada um dos milésimos de segundos de sua tão finda existência. Os olhos já semicerrados numa tentativa inútil de guardar pra sempre aqueles rostos. Mal sabe que tudo se apaga. "Melhor que não chorem. Melhor que me esqueçam." pensa, mais altruísta do que nunca, "Porque logo não haverá 'eu' pra me importar.", mas logo volta atrás. Seria tão bom se não tivesse sido tudo em vão. Pede, num sussurro, que não a esqueçam, o que é respondido com alguns soluços afirmativos.
Olha à sua volta e nota que o quarto está ainda mais cheio. A vista está borrada, mas pode ver quem são. Sorri quase estaticamente e ainda ouve um "Boa noite, filha." seguido de um beijo na testa. Mas de alguma forma ela sabe que não vai dormir. Ela sabe qual é o destino que lhe vem a seguir. Mas uma dúvida paira na cabecinha sagaz. "Pra onde vou?". Num desespero incomum, pergunta "Pai, pai! Pra onde vou?" Ele pede pra não se preocupar, mas isso parece não deter o entusiasmo da menina. O pai soluça. A mãe soluça também. E a chuva que escorre na janela parece chorar junto com eles. O corpinho outrora entusiasmado deita a cabeça no travesseiro e descansa todos os músculos. Sorri.
O corpo totalmente dopado de morfina, não doi. O que doi é um aperto fundo. Montanha-russa! Ela nunca andou de montanha-russa. É a montanha-russa que aperta. Junto com nunca-ter-beijado-na-boca e não ter tempo de presenciar o aniversário de sua melhor amiga. Todos apertam fundo em algum lugar do peito.
Continua sorrindo, apesar da aflição. Sente, então, todos os seus pensamentos voarem e sobrar só aquele sorriso. Todos os seus segredos morrem com ela. E, de repente, da menina inteligente, que odiava geografia e tomate, nunca tinha andado de montanha-russa e nem beijado na boca...Daquela menina única e cheia de detalhes pessoais, sobra só a lembrança.

29 de abril de 2010

Só vou gostar de quem gosta de mim

-Ôu, sabe aquela música "e pra começaaar eu só vou gostar de quem gosta de miim, só voou gostar..."
-hahaha Você canta muito.
-haha Idiota... já ouviu?
-Já. Que que tem?
-Vou fazer o que a música diz...
-O quê ela diz?
-Ué, acabei de cantar... "só voou gostar de quem gosta de miiiiiim..."
-Só vai gostar de quem gosta de ti?
-Isso!
-Durante quantos dias?
-Hã?
-Você é a rainha dos amores não-correspondidos.
-Nossa, valeu, hein.
-haha Tô brincando.
-Bom mesmo, haha.
-Mas, ei, essa regra não dá muito certo...
-Porquê?
-Ué, se todas as pessoas forem gostar de quem gosta delas, ninguém vai gostar de ninguém.
-Por que não?
-Porque alguém precisa gostar primeiro, sei lá... e, já que não pode gostar de quem não gosta de você, ninguém vai 'gostar primeiro'.
-A menos que eles gostem no exato mesmo momento.
-Não, tem que gostar de quem já gosta de você.
-É, então não rola mesmo.
-hahahahaha
-hahahaha
-Que viagem.
-E gostar também é um termo muito relativo, sabe?
-hahahaha
-Que foi?
-Lá vem mais viagem...
-Tá bom... cheguei dessa história... vou gostar de todo mundo de novo agora.
-hahaha!

28 de abril de 2010

Lembra?

Você me olha, assim; me encara não exatamente bruto.
Desvia, me perco. Vou guiando-me pelo teu olhar.
E ele guarda um monte de coisa...
Debaixo desse mel bonito e do castanho quase-claro-que-eu-adoro
Dos caracois dos seus cabelos
Que guardam mil surpresas pra mim...
Eu posso ver, ali no fundo... lembra de tudo o que a gente viveu?
Antes de chegar nisso que é... que é não precisar dizer o que se pensa.
E os desafios. Tua mente acende a minha. Vice-versa?
Mas lembra de antes, como era.
Lembra?
O dia que eu te conheci, lembra?
O dia que eu me apaixonei, lembra?
O passeio de bicicleta, lembra?
Linguagem de surdo-mudo, lembra?
Quanta bobagem!
Eu já fui sua namorada - que hilário! - e você já me deu uma flor.
Ah, a flor!
Eu me lembro. E você?
A flor!
Você me deu e a gente rolou de rir, lembra?
É ela que vejo!
É ela quem se esconde nesses olhos que me guiam.
Vermelho-forte, mas já insípida, a flor
Que antigo!
Que romântico!
Quanta bobagem!...

-"Você perdeu o foco."
-"Você fez de propósito, a desviada."
-"Fiz."

Trecho de "Tchau"

E de repente a casa soa tão enorme e vazia...

26 de abril de 2010

Seja

Ei, pára com isso! Presta atenção no que eu digo! É isso que você quer? Quer dizer... Eu não sei mais quem é você. Não sei mais o que é gente debaixo de todas essas máscaras que você foi pondo pra si mesma, de cada um desses disfarces com os quais você se escondia, se protegia.
Ei, dê a cara a tapa. Se mostre, seja, imponha, obrigue-me a gostar de ti, do seu verdadeiro eu. Não se molde em cima do que eu digo, do que eu sou. Se molde em cima de você mesma. Me dê o ultimato! E que seja o último dos ultimatos. Não me dê chance.
Chega dessas frases, que você pensa tão espontâneas, mas que se repetem a cada vez que fala. Escreva, invente, seja. Faça o que quiser. Só o que quiser. E não me deixe ser tão imperativa com você.
Sabe que já pensei que, talvez, de tanto que você cria faces pra si, essas faces sejam você. Talvez você seja a moça-que-inventa-faces e essa seja sua melhor definição. Ou talvez isso tudo não passe de uma idiotice sem tamanho e não dá pra definir alguém colocando algumas palavras juntas. Talvez seres humanos - e qualquer tipo de coisa existente - sejam assim, de várias faces, uma pra cada situação, pra cada tempo, pra cada ponto de vista.
Mas seja como for, seja. Só seja. Seja você, nem que com essas faces. Tenha tuas faces, mas que tuas faces espelhem sempre pra dentro e te digam - e me digam - que é você e não que sejam espelhos narcisistas que me confortam a cada vez que te vejo. Seja você.

Ou simplesmente ignore tudo o que eu disse, porque, afinal eu sou só a Srta. eu-ponho-palavras-juntas-pra-definir-pessoas.


Tira a máscara que cobre o seu rosto
Se mostre e eu descubro se eu gosto
Do seu verdadeiro jeito de ser (Pitty)

25 de abril de 2010

Homens

-Aff... os homens são todos iguais.
-Então por que cês escolhem tanto? dã
-É que uns são mais iguais que os outros.

Envelhecer

De repente todos aqueles discos tornaram-se pomposos demais e as páginas amarelas dos meus livros preferidos ficaram cada vez mais amarelas. O que era estático passou a ser contínuo e o passado correu cada vez mais rápido, mais perto.
Amei todos os velhos amores e vi todas as cenas repetirem-se fielmente diante dos meus olhos. As flores e os sorrisos que outrora pareceram num tom de sépia inalcançável, agora tinham cor de realidade. Todas as histórias que soavam esquecidas, reinventadas e recontadas (com re-sorrisos) agora eu sentia na pele. Sentia na pele aquele gosto, aquele toque de filme em preto-e-branco, de memórias de família, de copa-de-setenta, de tudo o que eu não vivi, mas que eles viveram por mim.


"[...]Apesar de termos feito
Tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais." (Belchior)

22 de abril de 2010

Parabéns!

Mais um dia se passou e você está um dia mais velho. Você está um dia mais gordo e suas contas estão um dia mais atrasadas.
Você não está um dia mais burro, no entanto, não está um dia mais inteligente. Você está um dia mais sedentário e um dia mais desocupado. Você está um dia mais vulgar. Você está um dia mais egoísta e mais pobre. Você está um dia mais manipulado.
Você está um dia mais próximo da morte. Um dia mais consumista, um dia mais machista, mais idiota. Você está um dia mais moralista. Você tem um dia a mais desperdiçado e você tem um dia a menos pra viver.
Que perspectiva de vida brilhante!


PS.: Desculpa a raiva, haha

21 de abril de 2010

A caixa

Uma caixa de papelão deixada no último canto do sótão à mercê dos estragos que o tempo (e a umidade do lugar) pode fazer. Deixada ao léu, entregue às mãos do esquecimento.
Entre mudanças de casa e vida, a caixa permanece e seus objetos tornam-se mais puidos a cada vez que ela se torna sem sentido.
Já não se sabe mais pra quê guardá-la e seu interior, a esse momento, já é irreconhecível. Não se vê mais nela aquilo que existiu. Nesse ínterim, entre o tempo que fora presente e o tempo em que é nada, a caixa andou com aqueles que foram-na construindo, pouco a pouco guardando suas mais belas recordações.
A caixa, já sem objetivo, sem aparência, sem conteúdo, vive só para aqueles que vêm nela algum significado. A caixa depende da mente, depende da lembrança.
Mas as pessoas envelhecem. E a caixa fica lá. E quando as pessoas se vão, a caixa volta a ser só uma caixa, com objetos velhos e sem-valor.
Deve ser esse o encanto da caixa.

Sozinho

A gente tem medo de ficar sozinho. A gente tem medo porque sozinho não há parâmetro. Sozinho pode-se enlouquecer e nem notar. Ficar sozinho é perder-se, é um mar de branco, é infinito branco, é não ter apoio. Ficar sozinho é ficar sem base. Ficar sozinho é ter de conviver toda vez com as mesmas opiniões, com os mesmos pensamentos e não ter os dos outros pra se suprir de fontes. Ficar sozinho é não amadurecer. Ficar sozinho é não envelhecer.
Ficar sozinho é não saber se tempo é tempo, porque tempo é convenção e, portanto, poder sentir que em um segundo passou-se sua vida. Ficar sozinho é ser livre, mas não ter com quem usar de sua liberdade, o que a torna sem sentido. Ficar sozinho é ser livre. É ser livre, mas ser preso na sua própria cabeça. Quem é sozinho não precisa de mais nada. É por isso que temos medo de ficar sozinhos. Quem fica sozinho, vive somente dentro da sua própria cabeça. Quem fica sozinho não pensa, seus pensamentos são fato, afinal só eles existem. Quem fica sozinho não é, somos o que o mundo ao redor nos define. Quem fica sozinho não ama e não quer. Porque há de se ter um objeto pro verbo amar. Mas quem ama não quer só amar. Quem ama não quer se amar. Quem ama quer amar o diferente, que o completa. Quem ama, não é inteiro até que haja o objeto amado pra o completar.
A gente tem medo de ficar sozinho porque a gente tem medo de ser incompleto.

18 de abril de 2010

Trecho de "Certeza"

[...]

Tenho a certeza, esperança convencida
De que passas cada passo, Dia
E traças cada dia, Vida
No escuro infindo a que chamamos incerteza.

Flor da ilusão

Trago-te esse presente
que é alguma flor-nenhuma

Representa esse sentimento
que é sentimento-nenhum.

Cria essa expectativa
que é expectativa-nenhuma.

Acende teu belo corpo
que é corpo-nenhum.

Viaja de tudo pra ti
que, no fundo, é ti-nenhuma.

Recita a mais bela poesia
que é poesia-nenhuma

É só uma flor-nenhuma
do que há e do que há de haver.

17 de abril de 2010

Actionman

-Você é a melhor pessoa que eu poderia querer. Com você eu fiz coisas que nunca imaginaria, e tive experiências que nunca deixarão de ser parte da minha essência. Vivemos uma história muito boa recheada de romance, clichês, desentendimentos e o passado, tão estático e pronto, sempre andará comigo, mas a vida toma rumos diferentes. Dessa vez, nossos caminhos se separam, pra depois se cruzarem novamente. Ou não.
Queria que fosse diferente, mas eu sou uma garota que gosta de ação. No entanto, não é mentira quando eu digo eu te amo.
Não faz essa cara de choque. Eu sei que, de alguma forma, você já tinha notado que isso aconteceria. Você gostava de afirmar que não viveria sem mim, mas não tenha receio.
Pense: vai dar tudo certo. Logo você terá a menina mais bonita desse lugar e eu vou me arrepender (a grama do vizinho é sempre mais verde), mas tudo vai passar.
Porque, apesar de tudo, eu não minto quando digo eu te amo.
-É, parece que estamos nós dois aqui. Você vai pela direita e eu... sento aqui e te olho ir, pode ser?



PS.: Quase obviamente baseado em "Actionman", Those Dancing Days (praticamente escrevi a música em prosa, mas beleza) e quase obviamente "Apenas o fim" me ajudou no texto. :)

16 de abril de 2010

Tempos

O passado temos certeza do que é
Está lá, esperando pra ser lembrado
Tudo se desgasta, mas existe: está lá.
Nele, o que é feliz já está lá feliz

O futuro a gente monta como quiser
Sonha com ursos e cavalos brancos
Porque ele nunca existe realmente
O futuro é, por inteiro, nosso

Mas a gente prende o presente
achando que é mais feliz nele
que controlamos cada um dos seus compassos perdidos
Presente é o momento pelo momento

O agora sem futuro é vão.
O agora sem passado é triste.

PS.: Andei vendo "Apenas o fim" e é culpa da Kamila. :)

Entregue (Todos os Motivos IV)

Todo o meu ceticismo foi embora lendo se meu signo combinava com o seu. Depois ri e joguei a revista de lado - não sou tão forte - mas confesso que li.
Teve ainda aquela vez que eu olhei pro caderno e passei a imaginar diálogos entre nós dois que pareciam até bem verossímeis, salvo pelo "Eu te amo" que saiu da sua boca.
Eu cozinhei, li seus livros, ouvi seus discos e até gostei de alguns. Eu me livrei de uns preconceitos, de uns tabus; me livrei de umas roupas. Eu descobri meu melhor sorriso.
Você me faz fazer coisas que eu nunca imaginaria.

15 de abril de 2010

Explique

Sento, quieto, espero.
Dentro, perto, sinto.
Chega, vive, lá do fundo.
Nome, não há - desminto

Errado, certo, não se sabe
Não explica, que deve durar mais
Um toque qualquer, bobagem
Sorriso e um pouco de paz

Tudo o que existe
e nos é comum ao viver
Há nessa existência triste

Inexplicável desejo
De ver em outros olhares
O que há no meu.

13 de abril de 2010

Trecho

Mas há um lá.
Há um que me deixa quebrar esses versos.
Poético, contemporâneo e rotineiro.
Drummond fica no banheiro.

Pra não dizer que não falei das cores

No início era a cor.
Tudo colorido, toda parte.
Toda célula de cor-po
Todo corpo que é mundo
era cor.

O branco era a lei.
O branco que tudo continha.
O branco que toda cor tinha.
E o branco só soprava por aí,
majestoso, infinito...

Mas aí alguém quis que ninguém visse suas cores.
E todos gostaram da ideia,
pois queriam suas cores só pra si
Cada um com sua cor trancada

Tudo dividido.
Tudo muro.
Puro cinza.

Dia do beijo

-Huuum... é? dia do beijo, é? ah, ok, pego isso e faço o quê?

12 de abril de 2010

Amado Léo,


Por favor, não me entenda mal em momento algum. Se te escrevo é por medo de contar cara-a-cara e pela apreensão de que seja dito.
Eu sei que foi muito lindo tudo aquilo que passou. Sei de todo o sentimento que tomava nossos corpos. Sei o quão reais eram os sorrisos e sei que ao mínimo farfalhar da sua alma eu viria correndo.
Mas o tempo muda tudo.
Não chore, não. Se você chorar me sentirei mais culpada ainda, e nunca conseguirei seguir com essa minha ideia de acabarmos. Não chore. Pensa em tudo de bom que a gente passou até agora, pensa naquelas tardes todas nesse nosso constante aconchego, pensa nas risadas, pensa nos filmes todos que dividimos, pensa no que há de bom pra se pensar. Quando acaba, é isso que a gente tem que fazer: pensar, lembrar, sentir saudade e entender que pode não ser como era antes.
Não chore. Esconda o pranto num sorriso. Chegou a hora: vou dizer-te adeus.
Enfim: o fato é que nós dois não dá mais, mas, ainda sim, penso com saudade e com um imenso sorriso no rosto no que o tempo não trás mais.
O Léo de antes ainda me faz suspirar. Se o vir por aí, mande-o ligar para mim.

Beijos,
Luiza

--

Esconda o pranto num sorriso
Chegou a hora
Vou dizer-te adeus. (Takai)

PS.: Só fui perceber a semelhança entre Léo e Téo depois do texto pronto, desculpem. haha

11 de abril de 2010

Pedaço de mim

Penso o quão injusto é da vida levar as pessoas de repente.
Deveria vir com aviso prévio.
Pense o quão triste é chegar em casa
e ainda ter o lençol bagunçado de alguém que não existe.

Último dia

-Hoje é o último dia da sua vida. O que você faz?
-Sei lá. Hoje não é o último dia da minha vida.
-Pára de ser racional... se fosse o último dia, o que você faria?
-Mas não é!
-Como você sabe? Um ônibus pode te atropelar assim que você sair daqui...
-Ai, pára!
-Mas fala: se você soubesse que é seu último dia, o que faria?
-Sei lá... eu não consigo pensar em nada.
-Qualquer coisa que você queira muito fazer.
-Se eu quiser mesmo, faço sem ser meu último dia.
-Ah, não é assim... Tem coisa que a gente não faz por causa da consequência.
-Mas se não for a consequência, nem tem graça fazê-lo.
-Lógico que tem! Pela ação em si.
-Não tem... pensa: o que você faria se fosse seu último dia?
-Hum... acho que eu ia correr pro cara que eu amo e roubar-lhe um beijo, e dizer o que eu sinto e... é, é isso.
-Então, e se ele sorrisse e te dissesse que te ama, você ficaria triste por ser o último dia, não? Ia querer mais tempo pra aproveitar com ele.
-É, mas se ele ficasse bravo ou disse que não me ama, eu ia querer que o mundo acabasse naquele instante.
-Mas vale a pena correr o risco, não? Tipo, tentar fazer as coisas todos os dias como se fosse o último.
-Não acho.
-Como não? Pelo menos, se der certo, você tem a vida toda.
-E se não der?
-Também.

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Meu amor, o que você faria
se só te restasse um dia
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria (Paulinho Moska)

7 de abril de 2010

Téo

Nanda era uma moça que se achava diferente. Nanda achava que não tinha no mundo gente igual a ela. Nanda achava seu gosto musical apuradíssimo e queria se vestir de modo único. Contraditoriamente, a bela moça reclamava de ser sozinha, e de ninguém entendê-la. Sempre torceu por um amigo que escutasse as mesmas músicas, lesse os mesmos livros e risse das mesmas piadas e, ao mínimo sinal de compatibilidade, se jogava por inteiro na relação, o que costumava dar errado.
Um dia, Teodoro apareceu na sua vida. Foi numa tarde de quinta-feira, o sol brilhava, mas não impedia o frio de trazer-nos todo seu gélido aconchego. Teodoro era perfeito. Usava uma barbicha, uma camiseta de banda (justo a preferida de Nanda) jogada por debaixo de uma camisa surrada e tinha o tique de mexer nos cabelos. O sorriso era - como explicar? - branco, lindo, radiante, apaixonante, tortinho e charmosinho, segundo as palavras de Nanda.
Ela fez algo que nunca imaginaria: chamou-o para um café, ali, em plena rua em plena quinta-feira. A reação dele foi tão inesperada quanto: aceitou. Não estranhou, não perguntou, apenas aceitou. Era como se eles tivessem ensaiado, porque tudo correu perfeitamente. O capuccino extra que Nanda pediu era o mesmo que ele gostava. Ele sorria nas horas certas, ela sabia quais piadas fazer, e ele sabia qual tipo de elogio a faria bem.
Os dias correram animados na presença dele. Ele era tudo o que ela tinha esperado ter. Puderam discutir - e facilmente achar uma conclusão - quanto ao livro preferido deles, e criticaram quase simultaneamente um clássico que eles achavam superestimado. Discutiram ainda o clichê 'Chico ou Caetano' no qual chegaram facilmente ao veredicto: Chico. Mas as compatibilidades não paravam por aí: eles eram ambos esquerdistas, gostavam da mesma cor, preferiam o dia à noite, odiavam falar ao telefone, gostavam de ouvir Los Hermanos no último volume, gostavam de fotografias P&B, achavam fascinante o contrabaixo, e gostavam de goiabada com queijo...
E aí cansou, porque tudo o que ele ia dizer, ela já sabia. Porque eles não podiam apresentar artistas um pro outro, pois já conheciam todos. Porque todos os argumentos dele eram iguais aos dela. E as discussões se tornaram cansativas... Foi aí que Nanda concluiu que ninguém é igual e, portanto, ninguém é mais diferente. Deixou de lado o narcisismo que era a companhia de Teodoro e fez com que ele sumisse ao vento, assim como surgiu, porque, na verdade, ele nunca foi muito real mesmo.
Hoje, Nanda é diferente. Diferente da Nanda-mais-nova, diferente da Nanda-mais-velha (que ainda está por vir) e diferente de todos os seus melhores amigos, com os quais divide mais afinidades.

A única exceção

Às vezes a saída mais fácil é sorrir e fingir que está tudo bem. As pessoas cobram o sorriso, cobram que, junto delas, você finja mesmo que você e ela saibam que não está. Mas se a gente sorri, só sorri, as pessoas passam a gostar do nosso sorriso, e uma vez que choramos, elas desistem da gente.
O problema mesmo é o amar.
Não quero que amem meu sorriso. Quero que amem minha inteligência, meu carisma, minha alma, minhas escolhas, quero que amem meu cheiro, meu rosto, meu jeito, mas o sorriso não! Quero que amem - e defendam - minha felicidade, sim, mas não o sorriso. Não é feliz quem sorri. É feliz quem consegue chorar quando é hora, também. É feliz quem sabe sentir.
Mas chegou a hora. Em algum lugar da minha alma está lá alojadinho. Mas temos que arranjar outros meios. É hora de escolher continuar sorrindo ou deixar-se sentir.
Eu sempre vivi assim, mantendo uma distância confortável, e eu achava que era feliz com a solidão, porque isso tudo nunca valeu o risco. Você é a única exceção.
Por enquanto, eu vou sorrindo, com um choro apertado aqui dentro. Sorrindo, com você-sonho aqui dentro. Eu não posso me deixar enganar, eu sei que você vai embora pela manhã.
Eu prometi nunca mais escrever sobre amores que não existem. Você é a única exceção.

PS.: Quase obviamente baseado em "The Only Exception", Paramore.

5 de abril de 2010

Segredo

Mirar teu olhar é meu perigo e prazer.
Prazer se você deixa qualquer vestígio de alma escapar.
Perigo é se eu deixo.

Primeiro-amor II

Aquela eu-menina amava o teu tu-menino.
E eles estão aqui dentro: ela em mim, ele em ti.
E vice-e-versa.

4 de abril de 2010

Literatura

[...]
-És literata.
-Não sou literata...
-Escreves, certo? És, portanto, literata.
-Não é bem assim que funciona... Drummond é literato, Kafka, Orwell, eles são literatos.
-E és o quê se escreves?
-Sou gente, ué.
-És literata.
-Não sou! Literata tem que ser formada.
-Drummond não era formado.
-Drummond é Drummond!
-E tu és tu! E tu és literata.
-Pegue o dicionário. Procure aí: literato.
-L... i... aqui! "Literato: 1. Escritor." Escreves, não?
-Escrevo.
-És literata.
-Sendo assim, aquele cara pichando o muro é literato... e o garçom anotando os pedidos é literato. Isso parece literatura pra você?
-Não vejo por que não.
-Qual a poesia que vês em "um guaraná meza 6" com 'mesa' escrito errado ainda por cima?
-Literatura não é poesia.
-Literatura é o quê, então?
-Tu és a literata aqui, deverias saber.
-Não sou literata. Aquelas filosofias de bar, meros pensamentos, não é literatura aquilo.
-É o quê?
-Sei lá... pensamentos? Poesias?
-Uh, és poeta ainda por cima?
-Não sou!
-És poeta.
-Não sou poeta.
-Fazes poesia, certo? És, portanto, poeta.

[...]

2 de abril de 2010

Adeus

Ei, presta atenção! Você acha que é só ir chegando, deixar que eu te ame e depois sair assim, sem mais nem menos? Precisa passaporte, meu amor. Não é assim, não. Se na portaria te pediram Intenções, Sonhos, Paixões e só te deram passe depois de muita confiança, aqui vai ser pior. Pois é, vai precisar do dobro pra sair da minha vida. Vai precisar devolver todo aquele amor que eu te emprestei, porque eu vou dar pra outra pessoa, se você sair por aquela porta. Vai precisar esperar seu gosto sair da minha boca, e quero meus CDs de volta. Vai precisar me ajudar a tirar esse anel do meu dedo, porque, com o tempo, ele acabou se tornando parte de mim e agora eu não sei mais como vai ser sem ele aqui. Acho que você vai precisar me dar outro, pra suprir a falta desse aqui. Se bem que se você me der, vai ter o mesmo significado que o primeiro... Deixa pra lá... o anel eu compro.
Tá achando burocrático? Pois é, você pediu... quero todos os meus segredos de volta, quero meu corte de cabelo de volta ao que você não gostava, que eu cortei só pra você. Pode ficar com as bandas que eu te apresentei, se não se importar que eu divida-as com você. Pode ficar com o ciúme também... não vou mais precisar dele! O carinho seria uma pena tirar de você, que sempre foi um amor, então você fica com o seu e eu, com o meu, certo? Me deixa com aquele cheirinho no pescoço, pra eu poder lembrar de vez em quando. Ok, isso é tudo?
Ah, e quero parar de te amar! E pare de me amar também! Você não me ensinou a te esquecer! Se bem que eu também não ensinei, não é? Anotado! Na próxima, não esqueço. Mas, enfim, nos dou seis meses pra não pensarmos mais um no outro, é tempo o bastante? Certo. Se não der, tem multa pra voltar: me paga aquele bom café que a gente adora e será sempre bem-vindo de volta.

Assine aqui. E aqui. Obrigada pela preferência.

Afinal, eu não te amo

[...] Não, eu não te amo. Eu amo meu pai, eu amo minha mãe e meu cachorro. Eu os amo. Eu já tive um namorado, eu o amava, e posso afirmar, com propriedade, que é bem diferente. Eu não te amo. Todos aqueles olhares, tu estavas errado, interpretastes mal. Eu não te amo. Aff, como se fosse proibido olhar pra alguém... És patetico e eu não te amo. Não, eu não quis te ofender, gosto muito de ti, mas somos grandes amigos e nada mais, ok? O quê? Pára de rir! Não é engraçado! Eu sei que fico verborrágica quando estou nervos... digo, digo, nessas situações. Se bem que essa [e uma situação normal, né? Digo, por que não seria? Afinal, estamos nós dois aqui... e somos grandes amigos, certo? Eu não te amo... então, não é uma situação embaraçosa nem nada, não há nervosismo. Só porque entras aqui e trazes teu sorriso (que acho lindo, apesar de não te amar) e dizes tuas palavras igualmente lindas, não quer dizer que eu deva gostar mais de ti. Mas gosto muito, não se preocupe. Todavia não te amo. Quero dizer, só porque esses elogios me fazem bem não quer dizer que te amo, não é mesmo? Eu não te amo. Vou continuar sentada e esperar que o garçom traga-me uma xícara de chá, como pedi, senão vou acabar falando besteiras. Ei, não sorria!! Cadê o garçom? Não sorria! Que sorriso sabido é esse? Eu não te amo!
-Tu odeias chá.
-Eu te amo.

1 de abril de 2010

Abstinência

Ela decidiu que ia passar a formular frases completas na presença dele. Decidiu aprender a agradecer, parar de achar que sua opinião era sempre a certa e parar de amá-lo.
Ela decidiu que toda vez que ele lhe dirigisse a palavra, ela pararia de dar indiretas e que ia resistir ao impulso de agarrá-lo toda vez que o via.
Ela decidiu que ia parar de conversar com ele porque, cada vez que o fazia, caía mais fundo naquilo que chamava (só pra ela mesma) de amor, e, também, porque toda vez que se falavam ela deixava seu olhar aprofundar-se no dele, entregando tudo o que sentia.
Ela jogou fora umas roupas, parou de ouvir a banda preferida dele e nunca mais o viu.
Mas só até a semana seguinte quando ligou desesperada perguntando por ele.

--

Só por hoje não quero mais te ver
Só por hoje não vou tomar minha dose de você
Cansei de chorar feridas que não se fecham, não se curam
E essa abstinência uma hora vai passar... (Pitty)