27 de setembro de 2012

Ver a cidade

Verde lado da cidade vs.
Ver de lado a cidade
(o olhar periférico)
Mas concentremos no centro
concentra, concêntrico
com, sem - entremos
Conheceremos sermos
o excêntrico e o tempo
o ente e o tempo
o entretempo, o contratempo
e o centro do ponteiro
do tempo (sempre o tempo!).
Conheceremos sermos
histérico espectro
de vivacidade.
Ah... e viva a cidade!

12 de setembro de 2012

Ode à dureza


O lugar do que conto é o tempo
são ponteiros as paredes da existência.
É porque já, pra vida, sempre pudor
e pra outras coisas, reserva-se cor e tamanho.
De cá onde eu caibo, a fuga,
a procura por dias menos metrados,
por sublimes momentos só de carinho
e pela súbita e natural separação.

Cansei de justificar meu pisar,
o arrazoado me leva cada vez mais longe.

Serpenteio, então, no meio da rigidez
centrada e sensível, apesar da fadiga
por ser contrária à regra desse lugar
e viver do que eles chamam de morte,
feneço entre o ceder e a descrença
incerta como, no desenho, um rabisco;
me olham as frestas nas quais ajo,
e porque elas ternas, eu sem remorso.

PS.: Sei lá, texto bosta feito pra aula de português, mas só pra não dizer que não postei no blogzinho uhu

Soma tudo e divide por dois


    Eu era ainda menina na escola quando estabeleci minha amizade com Linda. Era de uma quietude confortável porque não esperávamos nada uma da outra. Muitos se enganam desmerecendo as ambições infantis. Mesmo as que corriam à nossa volta queriam, das outras crianças, ganhar rir, mexer-lhes nos cabelos, rolar sobre a areia. E correr. Eu aceitava dela um pedaço do sanduíche. Ela, um gole do meu suco. E só.
    Conversávamos bastante. No entanto, às vezes, como quem nada diz. "Tenho dentista à tarde", eu informei. "Morro de medo e você?" Com orgulho, respondi "Nem mesmo hesito ao ir." e sorríamos sem nos espantar. Ela nunca era novidade: Linda era como uma extensão alourada e miúda de mim.
    Não que não fôssemos crianças comuns, de modo que brincávamos, brigávamos - nunca entre nós-, fazíamos as lições, errávamos os exercícios e vibrávamos com os esportes no pátio. E corríamos. Nossa unidade serena era do tipo que algumas pessoas passam a vida sonhando em ter e parecem procurar em todo lugar, exceto numa escolinha provincial, no meio de duas menininhas, apagadas e inocentes.
    Depois de um intervalo que passei sem ver Linda, ela entrou atrasada na sala, com o rosto vermelho e molhado de dar dó, alcançando um nível novo de pureza, agora frágil. Ela se sentava na minha frente e eu mal levantei os olhos à chegada polêmica. A professora, ocupada com o outro lado da classe, não notara nem tampouco a maioria dos alunos. A aula prosseguia normalmente.
    Os colegas próximos a nós que, não por coincidência, eram-nos os mais afetuosos, miraram-na curiosos e lhe ofertaram uma tonelada de perguntas doces e docemente inquisitivas. Ela se mantinha calada, familiar ao silêncio como eu sabia que era. Muda sem desespero. Mas triste. Os olhinhos preocupados dos outros voltavam-se, então, a mim, indecisos e sem entender se as lágrimas separavam Linda de mim ou se ainda eu poderia lhes amansar a curiosidade. Eu acenava tranquilamente, com todos os meus seis anos, mesmo sem saber o que a fazia chorar com mais precisão do que os outros. Me punha, dessa forma, no controle.
    De Linda eu só via os fios louros e Linda não me via (por quê chorava não caberá a este texto revelar. Caso encontrasse Linda hoje, ela talvez risse de tanta desimportância. Acho que tudo isso foi por demais irrelevante e decisivo, como são os acontecimentos dessa remota infância) e, embora não me visse, quando a toquei no ombro - nada perguntaria, só o toque já iria dizer - ela já olhava pra mim. Me flagrara o movimento ou antecipara-o? Os olhinhos úmidos agradeceram e, com os mistérios de si, questionaram-me graves: "Vai dar tudo certo?", me flagrando e antecipando agora o consolo clichê.
    E, bom, deu.

11 de setembro de 2012

Bruto

    Não saberia dizer a qual frequência os dois haviam se adaptado. Fossem eles números, seriam x (talvez ela pudesse fazer uma estimativa dele, em função da própria imaginação, mas) e y a essas duas incógnitas, não saberia atribuir um divisor comum. Não que fosse adepta dos números (as metáforas são todas minhas). Tampouco o era das palavras e, por isso, se contentava com essa ausência de frases explicativas. O kitsch dos relacionamentos pedia os verbos, determinava que se dissesse o que é e o que significa o espaço ou a falta de espaço entre duas pessoas, mas o que faria ela se nada sabia dizer que fosse análise e o que dizia era sempre parte do contexto. Destes tantos, o exemplo do espaço lhe vestia melhor: era um ser físico.
    A primeira vez que K... roubou o vão entre os dois foi simples como um conduzí-la pela cintura, o que tinha, como objetivo declarado, levá-la à sala do chefe do escritório, para uma conversa breve. Ela ainda nova, embora velha pra descoberta, em casa postou-se frente à sua imagem refletida e, nua, achou-se de uma brutalidade bela; seus seios eram muito fortes para as mãos amáveis de um homem. Por ser livre das pré-concepções que se fazem de tanta frase calcificada, misturaram-se os dois gêneros com harmonia, e ela perguntando-se cínica qual era mesmo a diferença. Devota dos sólidos que era, achou que poderia andar na rua exibindo os dois peitos feito fazem os homens nos verões. Achou que poderia até acariciar o tórax e, somando e não ignorando a presença dos dois balançantes protetores, franzir a testa e olhar outros corpos. Sentiu-se triste por nunca tê-lo pensado antes.
    Nos cumprimentos matinais , vendo o rosto sempre calmo de K..., sentiu raiva por ele tê-la feito mulherzinha num toque tão casual. Sentiu sua virilidade invadida, fora traída por seu próprio corpo que desmantelava se dando a ele. Decidida a ser de si somente, no entanto, foi que aceitou o primeiro convite dele para tomarem alguma coisa. Se era sua própria dona, não tinha porque temer as mãos quentes dele por perto. Era um desafio pro corpo traíra. Aceitou, depois, o segundo convite, o terceiro, o quarto...
    Um dia, ele se muniu de coragem para convidá-la a pertencer oficialmente a ele e ele, pela lógica, a ela, num desses acordos verbais. Ela se ofendeu, bradou que não com repulsa e, à noite, foi perguntar ao corpo. Tocou a barriga, cuja foto cheia de luz com uma pontinha de umbigo-breu, já conhecia bem. Viajou questionando os seios-armadura. Virou o pescoço exibindo o esternocleidomastóideo pro escuro e encontrou, enfim, o mamilo. Seu corpo enrijeceu: o mamilo era uma ofensa, feita em botãozinho avermelhado. Nem botão nem vermelho. Tudo diminutivo e sutil, quanta ousadia! O mamilo era a prova de que pertencia a K..., ela nem sabia como. Era a constatação de que, se não iria, uma criança pelo menos deveria um dia depender dela por aquela extremidade delicada do forte peitoril que aceitara como de amazona. O mamilo era um deboche.
    E, nesse movimento, viu o deboche em tudo o que K... fazia: quando lhe puxava pela cintura, lhe afastava os cabelos e se espreitava-lhe os gestos duros, apoderando-se deles para imitá-la e argumentava a favor da igualdade dos papeis dos dois na relação, quando, por isso, ela batia nele e ele ria ou quando disputavam forças e ela perdia humilhada, com os braços presos e o pescoço devorado. Era tudo um deboche.
    Tomou-lhe a vergonha. Gostaria que fosse tirada dele toda atração física que sentia por ela, mas não sabia onde a guardava para arrancá-la ela mesma. Estavam os dois num ringue, ambos igualmente descamisados. A briga não exigia que batesse nele, isso já fizera, mas que ele, por sua vez, quebrasse seu nariz, lhe deixasse hematomas nos olhos e, assim, insultasse sua força. Nunca exigia um deboche. Nunca esse riso que ecoava, deixando-o maior.
    Ele se aproximou violento, tocou seu seio com carinho, ironizando a sensibilidade do bico delicado, o que lançou nela uma dor num lugar novo. Nesse lugar, que desenhou no peito, mas podia não sê-lo, o seio era mais arma que escudo e o corpo, mais corpo e menos símbolo.
    Acordou e ligou pra ele. Queria o consolo de dar a ele o colo pelo sonho-insulto que tivera. Ele que soluçasse pelo pesadelo dela! Decerto o acalmaria.

7 de setembro de 2012

Dois tempos

São tantos fogos, por quê?
estourando no céu cotidiano
longínquos anos novos já velhos
e eu dentro de casa
e a casa dentro de agora
a luz fazendo um inquérito
que os olhos respondem cansados.
as resoluções do último reveillon
não mais convêm
se realizamos alguma coisa?
Nada.

4 de setembro de 2012

Arte

A mim não bastaria
o esforço de fazer feliz
não fosse doença contagiosa
a felicidade
não fosse a poesia e a prosa
e a liberdade

A mim não bastaria
pinturas à semiótica
não fosse o olho de carne
e sensibilidade
se sem poesia e sem prosa
e sem verdade