30 de abril de 2010

Lembrança

Nas penumbras que a dor provoca. Vivaz bate o coração aproveitando cada um dos milésimos de segundos de sua tão finda existência. Os olhos já semicerrados numa tentativa inútil de guardar pra sempre aqueles rostos. Mal sabe que tudo se apaga. "Melhor que não chorem. Melhor que me esqueçam." pensa, mais altruísta do que nunca, "Porque logo não haverá 'eu' pra me importar.", mas logo volta atrás. Seria tão bom se não tivesse sido tudo em vão. Pede, num sussurro, que não a esqueçam, o que é respondido com alguns soluços afirmativos.
Olha à sua volta e nota que o quarto está ainda mais cheio. A vista está borrada, mas pode ver quem são. Sorri quase estaticamente e ainda ouve um "Boa noite, filha." seguido de um beijo na testa. Mas de alguma forma ela sabe que não vai dormir. Ela sabe qual é o destino que lhe vem a seguir. Mas uma dúvida paira na cabecinha sagaz. "Pra onde vou?". Num desespero incomum, pergunta "Pai, pai! Pra onde vou?" Ele pede pra não se preocupar, mas isso parece não deter o entusiasmo da menina. O pai soluça. A mãe soluça também. E a chuva que escorre na janela parece chorar junto com eles. O corpinho outrora entusiasmado deita a cabeça no travesseiro e descansa todos os músculos. Sorri.
O corpo totalmente dopado de morfina, não doi. O que doi é um aperto fundo. Montanha-russa! Ela nunca andou de montanha-russa. É a montanha-russa que aperta. Junto com nunca-ter-beijado-na-boca e não ter tempo de presenciar o aniversário de sua melhor amiga. Todos apertam fundo em algum lugar do peito.
Continua sorrindo, apesar da aflição. Sente, então, todos os seus pensamentos voarem e sobrar só aquele sorriso. Todos os seus segredos morrem com ela. E, de repente, da menina inteligente, que odiava geografia e tomate, nunca tinha andado de montanha-russa e nem beijado na boca...Daquela menina única e cheia de detalhes pessoais, sobra só a lembrança.

2 comentários:

  1. Que lindo! Lendo esse poema me lembrei de uma história que li recentemente, na Veja, de uma mãe que respeitou o desejo da filhinha de morrer em paz após não conseguir lutar contra a doença dela.

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  2. essas histórias acontecem...
    e se a gente pensa o quanto de vida foi desperdiçado fica mais triste ainda.

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