7 de abril de 2010

Téo

Nanda era uma moça que se achava diferente. Nanda achava que não tinha no mundo gente igual a ela. Nanda achava seu gosto musical apuradíssimo e queria se vestir de modo único. Contraditoriamente, a bela moça reclamava de ser sozinha, e de ninguém entendê-la. Sempre torceu por um amigo que escutasse as mesmas músicas, lesse os mesmos livros e risse das mesmas piadas e, ao mínimo sinal de compatibilidade, se jogava por inteiro na relação, o que costumava dar errado.
Um dia, Teodoro apareceu na sua vida. Foi numa tarde de quinta-feira, o sol brilhava, mas não impedia o frio de trazer-nos todo seu gélido aconchego. Teodoro era perfeito. Usava uma barbicha, uma camiseta de banda (justo a preferida de Nanda) jogada por debaixo de uma camisa surrada e tinha o tique de mexer nos cabelos. O sorriso era - como explicar? - branco, lindo, radiante, apaixonante, tortinho e charmosinho, segundo as palavras de Nanda.
Ela fez algo que nunca imaginaria: chamou-o para um café, ali, em plena rua em plena quinta-feira. A reação dele foi tão inesperada quanto: aceitou. Não estranhou, não perguntou, apenas aceitou. Era como se eles tivessem ensaiado, porque tudo correu perfeitamente. O capuccino extra que Nanda pediu era o mesmo que ele gostava. Ele sorria nas horas certas, ela sabia quais piadas fazer, e ele sabia qual tipo de elogio a faria bem.
Os dias correram animados na presença dele. Ele era tudo o que ela tinha esperado ter. Puderam discutir - e facilmente achar uma conclusão - quanto ao livro preferido deles, e criticaram quase simultaneamente um clássico que eles achavam superestimado. Discutiram ainda o clichê 'Chico ou Caetano' no qual chegaram facilmente ao veredicto: Chico. Mas as compatibilidades não paravam por aí: eles eram ambos esquerdistas, gostavam da mesma cor, preferiam o dia à noite, odiavam falar ao telefone, gostavam de ouvir Los Hermanos no último volume, gostavam de fotografias P&B, achavam fascinante o contrabaixo, e gostavam de goiabada com queijo...
E aí cansou, porque tudo o que ele ia dizer, ela já sabia. Porque eles não podiam apresentar artistas um pro outro, pois já conheciam todos. Porque todos os argumentos dele eram iguais aos dela. E as discussões se tornaram cansativas... Foi aí que Nanda concluiu que ninguém é igual e, portanto, ninguém é mais diferente. Deixou de lado o narcisismo que era a companhia de Teodoro e fez com que ele sumisse ao vento, assim como surgiu, porque, na verdade, ele nunca foi muito real mesmo.
Hoje, Nanda é diferente. Diferente da Nanda-mais-nova, diferente da Nanda-mais-velha (que ainda está por vir) e diferente de todos os seus melhores amigos, com os quais divide mais afinidades.

9 comentários:

  1. Nossa Marri.. adorei o jeito como desenrrolou os fatos.. a estranha familiaridade que entusiasma no início.. seguida do choque real das semelhanças nao mais tão atrativas quando as diferenças que constroem...
    Gostei muito mesmo! Mas foi muito messssssmo!

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  2. Nica, valeu! Que bom que gostou!

    Continua vindo! :)

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  3. Total vocação para Macabéa!

    ;)

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  4. Também adorei o texto, a maneira como ele se desenvolveu e você sempre faz estes finais que surpreendem a gente. Beijo,

    Kamila

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  5. "a diferença é o que temos em comum."

    ou vice versa...

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  6. cara, esse texto tem a cara do dizem-as-paredes. gostei muito. lindo mesmo.

    "eles eram ambos esquerdistas, gostavam da mesma cor, preferiam o dia à noite, odiavam falar ao telefone, gostavam de ouvir Los Hermanos no último volume, gostavam de fotografias P&B, achavam fascinante o contrabaixo, e gostavam de goiabada com queijo..."

    cara, esse seu personagem é meu irmão gemeo? O.O

    esse final aí é meio trites. mas se os dois fossem buscar coisas novas juntos, hein? eu tentaria... :)

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  7. Hahaha! Foi sem querer, Renan! :)

    Valeu, gente

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  8. me identifiquei bem com a descrição da guria, no começo do texto hahaha

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