27 de maio de 2012

Se José me permitir...

A mulher do médico, tendo à vista a vista de outro, nos olhos não mais estáticos e inutilizados do primeiro cego, título que não mais lhe cabia, apoiou todos os músculos na poltrona e levantou somente o braço. Dispensou a voz que era sua identidade, não precisava mais dela. A mão estendida à janela afora era quem falava, como se lhe apresentasse pela primeira vez e como se aqueles olhos sempre tivessem sido cegos. Mesmo que recheado de lixo e nojento e cruel, aquilo ali havia sido só dela por tanto tempo que se acostumara a este tipo cá de solidão. Quando da boca que primeiro disse Estou cego, saiu a até então inalcançável frase Vejo, a mulher do médico juntou as forças que lhe restavam e todo o sentimento materno que havia ganhado por essa gestação cega e deu ao primeiro cego o mundo, Ei-lo! Então, manifestou-se a vaidade à qual ela sempre teve direito, E eis a prova de que eu dizia a verdade sobre como ele é.

PS.: Só um pequeno exercício de escrita relacionado ao Ensaio.

Um comentário:

  1. Belo texto sobre um lindo livro. O bom é que ele permite justamente essas diversas abordagens, o que é um tributo à riqueza da obra de Saramago.

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