20 de maio de 2012

De um dos lados da boemia

    Trancou a porta atrás de si. Antes de andar, um último relance à sua volta: a rua deserta. O pouco que era visível devia-se à fraca luz amarela dos postes. Um cachorro derrubando a lata de lixo o fez enfiar a displicência nos bolsos e experimentar uns passos vagarosos, mas a verdade é que não temia a noite. Fazia dela sua companheira, já que por mais que se lançasse em bares, ruas cheias e casas noturnas, ninguém caminhava ao seu lado. É que à noite, as lindas e sorridentes máscaras do dia eram deixadas em casa, trocadas pela animalesca face original, que mantinha-se segura, oculta pela densa escuridão. Então, ficava fácil envolver a cintura de uma mulher obscura, copulando com todos os buracos, entre os quais não se sabia quais tinham origem natural e quais eram nacos arrancados nos tropeços da vida, se elas podiam o benefício da entrega, do prazer e do dinheiro sem, supostamente, o pudor. (Com o tempo, os olhos das moças aprendiam aquela cegueira e suas mentes começavam a supôr as imagens: e eram homens tão feios, mesmo que bonitos fossem, e trajavam sempre um imponente e imperativo terno, mesmo quando lhes despia, que crescia de novo no peito uma afogada, abafada vergonha). Dizendo assim, um cidadão diurno até diria que é cruel a boemia, porque ainda não ouviu dos privilégios que se lhe atribuem: ninguém tem de ser claro, não é necessário justificar as ações com mais do que "eu bebi demais aquela noite". Pode-se debater, arrancando de si as peças de puro aço que prendem as pessoas nos trejeitos e dizeres aceitáveis, elegantes, bacanas, certos. No entanto, a noite não é o caos. 
    Suspeito, estrangeiro, ele viu seus amigos bebendo e jogando conversa fora encostados num carro cujo som era realmente alto. Foi se despedir porque, ao Sol, se encantara com face de uma menina-dia (o amor é de dia e de noite) e quis contar-lhes que estava feliz, mas eles não ouviriam nada que não fosse estupidamente engraçado ou terrível.

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