27 de abril de 2012

Vozes

Estava lá o corpo estendido no chão.
Dezenove horas. À beira de uma enorme avenida.
Ao lado, parou um ônibus em cuja janela punham-se os rostos assustados. "Abre a porta!", "Tem um corpo!", "É um homem!", "É um velho!", "Quem será?", "Está morto!", "Está morto?", "ESTÁ MORTO!".
E em cada uma das cabecinhas um silencioso apreço pelo conflito e um agradecimento ao drama pelo fim-de-tarde tirado da normalidade; em cada uma das cabecinhas um romance mais empolgante do que o outro. "Coitado!", "Coitado nada!", "É caloteiro?", "Não o conheço.", "É Zé Ninguém!", "Foi por dinheiro!", "Foi por amor...", "Ouvi dizer...", "...que nessa área...", "...sempre acontece...", "...umas coisas dessas."
Nada podem as cabeças em face de um corpo morto. Se não fosse esse aspecto humano, já era mato desse da calçada.

"Mexeu a boca!", "Mexeu a boca!", "Está bem vivo!", "Mas aí deitado?", "E a essa hora?", "Foi a cachaça.", "Foi a cachaça.", "É, a cachaça.", "Sempre a cachaça!", "Quem mandou beber?", "Se é cachaça, então a sarjeta...", "... é o lugar dele mesmo!", "Fechem a porta!", "Siga viagem!".

A vida é chata.

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