17 de julho de 2012

Em segredo

   A noite chega e, prensando os pensamentos contra as horas que lhe restam pra dormir, surge ainda pequenina a ideia óbvia, lhe coçando. Ele corre afobado por entre suas velhas sinapses, tropeçando em conclusões já formadas e perguntas que deixou pra responder mais tarde e pulando imune à dor de sempre. Encontra, enfim, uma caixinha e por tocá-la, num grito estridente, se lembra da sua condição de corpo, de cama, de olhos abertos e só mais 5 horas para dormir. 
   A aventura já era o bastante para lhe envolver num sono pra só ser interrompido pelo alarme, de manhã, mas a tal da caixa perdera seu caráter de mero objeto representativo onírico para vestir-se de desafio intelectual. Consciente. Lá se foi mais uma vez nosso herói sonhante, de olhos fechados, se emaranhando e misturando em ideias que agora lhe pediam a atenção. Pôs os olhos nos noventa graus e chegou à caixa sem nenhum caminho, como fosse imaginação. Os berros da pergunta que se fazia dentro da caixa eram abafados e o alcançavam numa forma somente medonha, atravessando as paredes da caixa que pulsavam vermelhas revestidas de nervo inflamado. Todo toque era perigoso. Estendeu a mão em direção a ela e encostou um dedo somente, muito devagar. Não houve reação. Ao mínimo relaxar da mão tranquila sobre a caixa tensa, os poucos gramas a mais que ali se dispuseram causaram um grito rápido, rangido, agudo, que rasgou o moço até que o reflexo do braço se afastando o acalmasse e o som apitasse cada vez mais baixo, respirando um chiadinho ralo.
   Estranhou manter-se naquele lugar escuro e simbólico, que agora parecia tão palpável. Num só golpe, abriu a tampa da caixa. A dor o jogou longe, a aflição enviou sua língua rapidamente aos dentes da frente, procurando uma textura agradável que lhe tirasse a recente memória de mais um grito cortante. Ergueu-se da caixa um rastro luminoso que tocou o fundo do ambiente então preto e o tingiu, como tinta na água, de um cenário calmo. Em pouco tempo, configurou-se uma sossegada pracinha numa manhã quente. Nosso rapaz, antes jogado em infinito e indefinível chão preto, agora via-se na refrescante e verdinha grama. Estava em má posição: via copas de árvores tão verdes e carregadas de frutas e o céu azul. Ouvia, porém, uma sinfonia de calmarias e felicidades: crianças que corriam e gritavam, lá longe e um barulho sutil e claramente presente, de água em correnteza. Ficou lá não sei quanto tempo. Não havia tempo. Sentiu, então, que alguém lhe pegava nos braços, mas mais que seu pequeno corpo, todo aquele universo agradável, com cheiros doces e boas esperanças, recebia os baques dos passos daquele que o havia pegado. No ritmo dessas passadas, criou-se um embalo carinhoso, abrangente e gostoso... Ali, sem se perguntar como a noite virara dia e sem nem se perguntar nada, dormiu.
   Acordou antes do alarme e, de repente, sentiu pudor. Passou as mãos pelos lençois que esfriavam tão rapidamente depois de deixarem sua pele. Olhando pra luz acesa (havia a esquecido assim na noite passada?) lembrou-se dum alegre lustre em forma de Sol que seu pai lhe dera quando criança. Viu o teto, a parede e parou no vértice que junta três faces do cubo. Fechou os olhos e, calculando a distância deste para a mancha de luz nas pálpebras escuras, tocou com o dedo o canto, que de tão frágil e fundamental, parou de existir, fazendo-se em fendas que dividiam os pedaços de concreto. Aos poucos, eles se afastavam. Quando abriu os olhos, o quarto ainda estava lá.

2 comentários:

  1. Curioso foi que eu li seu texto e imaginei CADA cena que você retratava. Bons são os textos assim! :)

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  2. Quando eu escrevi, senti o mesmo. Deu vontade de fazer um curta até. :)

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