7 de setembro de 2012

Dois tempos

São tantos fogos, por quê?
estourando no céu cotidiano
longínquos anos novos já velhos
e eu dentro de casa
e a casa dentro de agora
a luz fazendo um inquérito
que os olhos respondem cansados.
as resoluções do último reveillon
não mais convêm
se realizamos alguma coisa?
Nada.

4 de setembro de 2012

Arte

A mim não bastaria
o esforço de fazer feliz
não fosse doença contagiosa
a felicidade
não fosse a poesia e a prosa
e a liberdade

A mim não bastaria
pinturas à semiótica
não fosse o olho de carne
e sensibilidade
se sem poesia e sem prosa
e sem verdade

31 de agosto de 2012

Dedicatória

ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ

"Para que não passemos,
o livro pelas estantes,
tanta percepção humana,
a escrita sensível e honesta
e eu, pela sua vida,
em branco.

Mari
ago/2012"

28 de agosto de 2012

A gentileza em doses crescentes,
crueis simuladoras de sentimentos
maquiando de espontaneidade.
Exige-se que gostem de si.

22 de agosto de 2012

Uma paisagem infértil

Rasga as vias aéreas o ar preto
Topa em todas as ranhuras e doi
Não tem água em São Paulo
e meus olhos tampouco chovem.

O céu faz-se azul de ironia
Não desagua e nem assim pretende
Ficamos cá esperando molhar
Vamo, chove! Chove!

Não importa a cor comprada:
todos os carros são marrons
as pessoas se ressecaram
e a garoa bairrista não veio.

Desfacelam-se os amores urbanos
Sem saliva sexo suor sinapse
olhos secos, a garganta sussurra
Chove, chove, vai, chove!

Venha a chuva do céu depressa
lavar-nos das histórias antigas
tirar-nos as crostas das distrações
fazendo ver claro o que é de se ver.

19 de agosto de 2012

Personagem

Pelo menos Clarice tinha uma esquina, uma menina, uma nordestina a quem só faltava dar-lhe a sina.

Eu nem sei quem é que procuro, porque não tem rosto nem vida. Hei de criá-lo, não como filho, sem carinho, sem censura. Devo matá-lo, devo odiá-lo? Preciso que se adeque à história, que seja favorável aos meus argumentos, talvez por ser antônimo ou sendo meu herói, mas se o for que não seja eu! Que passe longe de mim! Não sei o que fazer, mas sei que agora ele ri de mim, deitado no meu ombro direito, rindo, rindo muito... é homem, é um menino. Talvez nem seja lá muito bem-humorado, mas como é engraçado que eu o procure e ele esteja bem aqui. Tento fazê-lo longe de ser heroi, mas já se lhe alouram os cabelos. Tento que seja experiente, mas é um menino e já o vejo levantar uma bandeira em frente a uma multidão, quando o queria fraco. Que adianta querer? Personagens fazem o que querem com seus autores.

16 de agosto de 2012

A mulher

Tem a santidade de mãe simples
e alegria ressentida em viver
o seu depoimento genérico faz dela
a mulher mais forte que eu já vi.

Não se nota se é bonita ou gentil
só nos diz ser mãe-órfã de filho
(moço companheiro, dela arrancado)
da mulher mais forte que eu já vi.

A bondade que se lhe encerra satisfaz
Não julga as putas senão com "Cuidado!"
Deitamos no colo leiteiro, nos braços
da mulher mais forte que eu já vi.

Agora que os anos lhe chegam ao rosto
E o filho, há muito tempo ido
resta uma pergunta incomodando
a mulher mais forte que eu já vi.

Uma pergunta que nenhum outro ousou
E que a faz, ao menos, mais forte que eu
que aponto a fraqueza dos que creem
como a mulher mais forte que eu já vi.

Ela pergunta "Deus, por que meu menino?"
assim, com desgosto, ferida, traída
tem o luxo de odiar seu próprio divino
a mulher mais forte que eu já vi.