16 de dezembro de 2009

A flor

Fui até aquela lojinha humilde situada na esquina do cemitério. Talvez fosse feita para os familiares chorosos querendo prestar uma última homenagem, mas meu objetivo era outro.
Entrei, o cheiro de pólen invadindo meu nariz, e, logo de cara vi uma flor. Uma flor linda, uma rosa. Seria a escolha certa? Precisava ser uma flor realmente especial, uma que significasse muito para mim e, principalmente, para você. Será que aquela, pela qual havia me apaixonado à primeira vista seria boa? Talvez por isso ela fosse boa, já que me apaixonei à primeira vista por você. Poderia usar desse argumento no cartão. Aquele que iria junto com a rosa.
Com a rosa na mão, andei pelas ruas a caminho da sua casa. As poucas pessoas que passavam pela rua me olhavam com uma cara alegre, como se soubessem o que eu estava pronto pra fazer, como se me apoiassem. Eu sorria de volta, apenas, como se, em resposta a esse apoio, agradecesse e lhes garantisse que tudo ocorreria bem. Você morava perto, em menos de dez minutos eu já me via parado em frente a uma casa. Ela era branca, grande, linda e o quintal era verde. Apesar da noite escura, pela pouca luz dos postes, percebi que a grama estava mais verde do que aqueles dias em que eu costumava ir para te ver. Parecia perfeito o momento.
Subitamente, decidi que não precisava do cartão, lhe diria tudo o que havia escrito. E você acharia lindo. Me abraçaria, me beijaria e diria que me ama. Rasguei-o e enfiei no bolso. Entrei pelo portão que ficava sempre aberto, imponente e apaixonado. Andei pelo caminho que dividia o quintal gramado em dois.
Você passou pela janela. Linda, os cabelos molhados e de pijama. Provavelmente, acabara de tomar banho. Ficara ainda mais atraente assim. O medo me tomou e parei. Certamente, você não gostava de mim, já que só havíamos conversado algumas vezes e eu era, provavelmente, só um colega. Toda aquela segurança foi-se com a sua imagem passando na janela. Vi, naquela hora, o quão real você era e o quanto eu cobraria de você, declarando esse amor.
Readmiti a ideia do cartão. Vasculhando os bolsos achei um papel que serviria e uma caneta. Escrevi uma mensagem, tentando lembrar o que escrevera na outra, mas agora, com menos coragem, assinei apenas com a minha incial, "M". Você deveria lembrar ou, pelo menos, pesquisaria as pessoas com essa inicial, a fim de achar seu admirador secreto.
Depositei o ramo de flores no tapete que dizia "Bem-vindo". Sorri com os tais dizeres, que pareciam me apoiar também.
Virei as costas, a caminho de casa. Me arrependi e voltei a achar que tinha feito o certo durante toda a noite. Cogitei, certa vez, ir lá e retirar as flores, na esperança de você não ter visto, mas isso era impossível, pois eu havia tocado a campainha.
Deram-se algumas semanas sem notícias. Desejei que você tivesse esquecido, eu achava que fora um impulso impensado. Coisa de apaixonado solitário em uma noite bonita. Mas você não esqueceu.
Certa vez, algumas semanas mais tarde, você veio até mim num dos pátios da faculdade. Na verdade, veio até o grupo de amigos, mas eu só pude ver você, crente de que descobrira que eu
te dera a flor. Mas você não descobrira, ou achara que sim.
Nos apresentou seu namorado, que lhe conquistara com uma flor, uma rosa linda, com um cartão ainda mais belo. Um sujeito alto, bonito, olhos castanhos - que me pareceram sem poesia demais para uma declaração como a minha, com flor e tudo-o-mais - e um sorriso galante, meio de vencedor, como se soubesse que eu havia lhe entregado a mulher que seria minha.
Sonhei com você aquela noite. Você vinha a mim e dizia "Tua flor me deu alguém pra amar!" como se soubesse. Eu lamentava "Mas e quanto a mim? Você, assim... e eu, por final, sem meu lugar." Você sorria então, no sonho, e colocava algo no meu bolso.
Acordei e revirei a calça. Achei o bilhetinho, o rasgado.


Eu fiz de tudo pra ganhar você pra mim, mas mesmo assim...



PS.: Texto baseado em "A flor" do Los Hermanos.

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