1 de maio de 2011

Como em todas as madrugadas

A noite cairia, mas como se sempre se fizesse presente, já que seguiria uma tarde cinza. Se instalaria tal escuridão daquelas que nem a Lua se vê e que não seria digna de contemplação. E então respirariam fugindo à densa - quiçá líquida - forma do ar algumas luzes: faróis de carros e o semáforo. A TV estaria quebrada e tu não terias paciência para teclar. Fome não haveria. Somente a vontade do corpo; aquele desejo incessante de correr, suar e de ter o coração rufando no peito. Tampouco a sede incomodava: na realidade, pedia-se a sede, enquanto último vestígio de instinto. Então, tu colocarias teu batom mais vermelho e deixarias o cabelo bem armado, como tu sempre gostaste. As unhas tu cortarias. Tu roerias bem rente à carne e faria derramar rubro sangue e provar-te-ias viva. Viria então o ciclo, na mesma madrugada. As mesmas luzes refletiriam teu rosto branco, te fazendo notar o quanto tu odeias aquele batom, que tanto te fazia remeter à sexualidade. Tu odiavas ter que pô-lo a ninguém. Tu pentearias os mesmos cabelos da mesma maneira de sempre, pois a necessidade imperaria sobre a beleza. A mesma música rolaria no ar. As madrugadas paulistanas teriam o mesmo amarelo. E ainda a mesma Lua se esconderia na mesma nuvem. Mas de alguma forma tu serias como nunca foi. O batom deixaria vestígios no lado interno de teus lábios e tu notarias que aquele som que se ouvia seria assim escutado pelo resto de teus tímpanos a menos que tu resolvestes soar.

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