30 de maio de 2010

Personalidade

[...]E aí eu fui te condenar e gritar na sua cara todas as coisas que você não era, mas estava fingindo ser e não pude. Tentei em vão te dizer que eu amo aquele você de verdade, mas não pude. Eu quis achar aquela nossa amizade em algum lugar, mas eu já não sabia como. Eu não sabia mais quem era você. E, portanto, não sabia mais quem era eu.

PS.: Só desabafinho pra desestressar. :)

26 de maio de 2010

Entrelados

Ela arrumava o cabelo, a roupa e o sorriso. O lado de fora tão seguro e o de dentro, apreensivo. Os olhares todos no alvo cujos olhares, dispersos, nem viam. Aquela mania de fazer caretas e bagunçar o cabelo se expressava nele. E ela quase podia sentí-lo mais perto a cada risada e a cada momento. E isso fazia seu coração bater. O lado de dentro, então, mais apreensivo ainda. Quisera virar-se do avesso e deixá-lo ver inteirinha por dentro: complexa, linda e apreensiva. Tornar-se-ia vulnerável. Tornar-se-ia inocente e a decisão seria só dele. Quisera ver o lado de dentro dele também. Talvez naqueles olhos ela pudesse. Mas, ainda assim, quisera que ele não olhasse pra ela. Não agora. Num movimento gracioso ele sorriu. Ela sorriu junto. Ele, então, virou-se para o lado e a olhou diretamente nos olhos. Ela se assustou, guardou o sorriso e trancou-o bem dentro, quietinho, apreensivo. Ele se levantou e caminhou até ela. Ela, trancada, fingiu escrever qualquer coisa num papel qualquer. Foi tomada por uma sombra: ele já estava bem perto dela, de pé, com aquele sorriso seu conhecido e uma pitada de curiosidade nos olhos. E uma frase que ele disse (quando ela pôde finalmente conhecer sua voz) foi o bastante para ela se abster e deixar o lado de dentro (aquele apreensivo e apaixonado) gritar.

"Te vi me olhando."
"Me vi, te olhando."

24 de maio de 2010

Sobre alguém qualquer (e todo mundo)

De olhos semicerrados ela anda vagarosamente. Nos pés a impensada inércia e, na cabeça, branco. Não precisa de mais nada que não aquele momento. Ela não espera, não quer e nem corre atrás. Os desejos acostumaram-se a viver ali sem externar-se e quase não existem mais. Os sorrisos todos foram guardados em algum lugar, mas ela já não pode mais achá-los. E os amigos, por fim, deixaram de ser amigos. Ela parou de amá-los. Parou porque sentimento, agora, é algo raro pra ela. No máximo alguma indiferença ou frustração, mas não amor, não persistência, não alegria nem coragem. Os dias que acabam pela metade vão-se desenrolando sem motivo nenhum.
Ela levanta o olhar desdenhoso para a vida pensando em qual seria o melhor jeito de sair daquele lugar. A cidade parece corresponder à sua indiferença com mais indiferença ainda. As pessoas passam sem nem olhá-la. Ela quer odiá-las. Não consegue. E segue a andar.
E em pleno viaduto cinza, nesse passo pesado de angústia, na embriaguez do silêncio da sua mente é que volta a sentir. Mas, então, sente-se triste. Sente-se dor. Sente-se desilusão e decide voar. Voar pra bem longe, pra onde ninguém pode achá-la. No vôo que parece perdurar horas, só consegue pensar num lugar pra onde quer ir e quando o vôo se acaba ela parece estar bem onde queria. Ela morre na contramão atrapalhando o tráfego.


Socorro!
Não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar nem pra rir
[...]
Alguma rua que me dê sentido
Em qualquer cruzamento, acostamento
Encruzilhada
Socorro, eu já não sinto nada...

18 de maio de 2010

Mundo

Num desânimo latente caminho pelas ruas procurando, em vão, me encontrar. Em cada beco, em cada porta, vou ver se é lá meu lugar. Minha Pasárgada está por aí. Vem da certeza, do olho que brilha, de um resto de esperança num sufocante mar de desapego. Mas a cada esquina virada, vai-se e, com o tempo, eu quase posso acreditar que ela não existe. Mas não ainda. Aos poucos vou assim, me desgrudando, na tentativa de achar o que eu sou fora do contexto-mundo. Que bobagem. Eu sou do mundo. Sou mundo puro.

Poeta III

-Digo que é o poeta o homem mais poderoso do mundo.
-Digo que é um rei, um milionário.
-Poeta transforma o que quiser no que quiser.
-Só na imaginação dele próprio.
-E na dos outros. E há algo além disso?
-Há. A realidade. O homem rico pode comprar, ter, ser o que quiser, pode fingir, amar, pode querer e desquerer, mandar e desmandar, adquirir, comer, usufruir, encontrar o que quiser... O que pode o poeta?
-O poeta pode se encontrar.

17 de maio de 2010

Metáforas rosas

As rosas da minha rua têm crescido tão belas - notei. Tão fora de estação, na cidade tão cinza e grande, de paredes brutas. E uma jovem paulistana de apartamento estranha contato tão extremo com essas pétalas delicadas que insistem em cair pelo jardim. Essas rosas ousadas!
Queria qualquer dia passear só pra vê-las, mas tudo anda num ritmo alucinado de quem vive pra amanhã. E as rosas continuam lá me esperando. E vão despetalando-se enquanto tornam-se só mais uma cena de cotidiano.
Estou dizendo isso tudo porque hoje tomei uma iniciativa. Hoje peguei uma das rosas do jardim e senti alguma coisa diferente. Senti como se nada no mundo pudesse me trazer a essência de volta como uma rosa faz. Senti todo o romance de todos os amantes que presentearam os seus com uma rosa e senti naquele vermelho toda a paixão do meu corpo esvair-se e a rosa tornar-se mais vermelha ainda. Vermelho-viva. Passei a amar a rosa. Guardei a rosa. E a rosa me guarda também. Porque entre toda aquela paixão ardente, acho que deixei um pedacinho de mim com ela.


Queixo-me às rosas
Mas que bobagem
As rosas não falam (Cartola)

8 de maio de 2010

Alma de poeta

Esconde-te, alma de poeta
Mesmo que sem notar
Nas curvas que carrega a vida
de infindas possibilidades

Perdoa-me, alma de poeta
Por ter jogado fora não o tempo
Mas todas as desventuras
Que moraram na chance do haver.

Hasteia, alma de poeta
A flâmula tão alva
de limpa sinceridade
trazendo sempre uma nova vez.

Semeia, alma de poeta
Mas só se trouxeres na semeadura
A intenção da colheita
Não semeia-me por fazer.

Poeta-me, alma de poeta
Poeta tudo o que quiser
Que minha mente tua é
Prenhe de prontidão

E ama-me, alma de poeta
Ama-me com toda a alma
E traz me entre suas entrelinhas
O que sentes de verdade

5 de maio de 2010

Todos os motivos VI

E o perigo só aumenta.
Você anda lendo meus olhares
e minhas páginas todas.
Num movimento inerte sei
com toda a carga que tanto condeno
impossível.
Conforta só ser o que se é
Mas não é o bastante
A vida é cheia de venturas
e aventuras.
E a gente nem nota.
É costume.
Desde sempre foi assim.
Imagine viver com os pés no ar.
Impossível.
Só quem ama.

4 de maio de 2010

Psico delicadamente (Todos os motivos V)

-Eu ando segurando minhas respostas perto de você...
-Porquê?
-Dá medo de as palavras me denunciarem, sabe? Às vezes elas saem da alma e vão voando, sozinhas pros seus ouvidos.
-Eu gosto delas aqui.
-Eu até gostaria delas aí, mas sabe como é, né?
-Não sei. Como é?
-Se elas me denunciarem, eu posso dizer coisas que te assustariam. E muito.
-Duvido. Adoro te ouvir falar e falar, cada vez se afundando mais em besteiras e nas suas filosofias bobas.
-Mas com você é diferente... eu não só falo. Eu falo mais do que deveria. Falo mais do que eu sei que saberia falar. Falo mais do que sinto, até. Seus olhos... calma, não sei se são os olhos, a voz, seu jeito de mexer no cabelo... não sei, não, mas alguma coisa em você é como uma chave que me abre inteira e me faz ficar assim, verborrágica.
-Você não fala mais do que sente.
-Falo, sim. Até solto uns 'eu te amo' no meio dos discursos.
-Você me ama.
-Minha mente é estranha. As coisas ficam rodando aqui psicodelicamente...
-Conheço tua mente. Tuas palavras denunciam. Te amo também.

"Não te dizer o que eu penso já é pensar em dizer" (Rodrigo Amarante)

3 de maio de 2010

Amado

Que insano que soa lhe fazer esse pedido; mas volte. Quero que volte. Chega de choro, da falta do seu colo, chega de indignação e culpa. Volte porque tudo por aqui clama sua volta.
Os fios de cabelo que encontro pela casa lhe(me) dão esses sinais. Eles pedem que volte. Os seus livros viraram só-papel e os cômodos todos parecem muito grandiosos pra mim. O cachorro ainda late toda vez que ouve uma buzina e espera com a coleira na boca por você. O vizinho que só implicava contigo não vem mais bater à nossa porta, não tem mais do que reclamar, e as cordas da guitarra que você comprou com tanto carinho estão cada vez mais enferrujadas e desafinadas. Às vezes ainda ouço um dedilhado delicado da nossa música, e corro pra sala na esperança de te ver. Doi ver a guitarra. Doi mais ainda não ver nada. Doi não ter com quem gritar, com quem brigar por você ter ido. Doi não ter nada que machuque. Doi ser isso. Doi o nada que é estar sem você.
Doi ouvir suas risadas ainda ecoando em cada canto desse apartamento. Suas fotos doem. Mas doem de uma forma boa. Doem de saudade. Saudade é bom sentimento. Falta, não. Falta não é saudade. Saudade é lembrar de momentos bons, de coisas que já passaram, mas que foram tão boas que valeria a pena viver de novo. Falta é pior. Falta é saber que agora eu poderia estar com você. Falta não é sentir que se fez o que se pôde pra ser feliz, falta é desperdiçar momentos nossos, sozinha.
E envolta em toda essa angústia é que te peço que volte, ou me busque e eu irei com você. Mesmo que nos sonhos. Mesmo que você não exista mais. Volte pra me buscar.

PS.: Bruce está pedindo que eu largue o papel e leve-o pra passear. Não se esqueça que te amo. Beijos.

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"Estou entregue a ponto de estar sempre só,
esperando um sim ou nunca mais." (Vanessa da Mata)

Hipoteticamente falando

-Dá pra acreditar? Quase sete bilhões de pessoas no mundo e justo a gente foi se encontrar.
-Já pensei nisso... Mas, sei lá, vai ver era pra ser mesmo...
-E a gente podia nunca ter se conhecido mesmo morando perto e tudo o mais.
-É, ou se conhecido, mas por algum motivo a gente podia se odiar.
-Nunca te odiaria.
-Diz a 'você da realidade', que é só mais uma das hipóteses do que poderia ter acontecido.
-Não, a realidade é uma hipótese diferente... ela se concretizou.
-Mas não deixa de ser uma hipótese... se outra tivesse se concretizado você nunca saberia.
-É, né? Vai que essa é a outra.
-Não, essa é a real.
-Ou não. A gente pode ser só o 'menu' de hipóteses e nem fomos escolhidos...
-Isso não tem sentido.
-Muda alguma coisa?
-Na verdade, não, mas não tem sentido...
-Você e sua mania de achar respostas...
-Você e sua mania de achar perguntas...



Entre tantos outros
Entre tantos séculos
Que sorte a nossa, hein?
Entre tantas paixões
Esse encontro, nós dois
Esse amor (Vanessa da Mata)